Quarta-feira, 24 de Julho de 2019

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

LumumbaPatrice Lumumba e o Rei Balduíno, Congo 1961

 

José Cutileiro

 

Calor

 

Num país como a Bélgica, dividido entre duas nações que se detestam, Bruxelas é uma ilha de tranquilidade, variedade e decência – uma espécie de Nova Iorque dos pobres, se a leitora entende o que eu quero dizer. Talvez por haver aqui muitos estrangeiros, o ódio recíproco de valões e flamengos esbate-se num universo muito mais vasto. (Não estou a exagerar quanto a esse ódio. Muitos anos antes de eu pôr os pés na Bélgica, tive colega belga, embaixador como eu no Conselho da Europa em Estrasburgo, quase na idade da reforma, jovial e rubicundo, que um dia, a propósito de coisa nenhuma me perguntou: Tu sais ce que c’est que la pollution? E respondeu ele próprio: Un Wallon dans la Meuse ! Et tu sais ce que c’est que la solution? Tornou a responder: Tout les Wallons dans la Meuse!! O homem não era só belga: era embaixador da Bélgica, e deveria ter por obrigação defender os interesses de todos os belgas, mas tal não lhe passava pela cabeça.

 

Em tempo de paz, o ódio esbate-se melhor. Nas grandes guerras dos europeus do século XX,  essa sanha recíproca, pelo contrário, arranjou pano para mais mangas ainda. Embora, em 1914, um dos primeiros actos de guerra alemães tivesse sido a queima brutal e viciosa da biblioteca da Universidade de Louvain, barbaridade equânime pois aquela estava cheia de livros preciosos franceses e   holandeses, durante a  guerra os flamengos colaboraram muito com os alemães, enquanto os valões penderam para os franceses e os ingleses e os ajudaram. Na segunda guerra, tudo isso se repetiu, mas com mais violência e crueldade, porque, bem vistas as coisas, ser pro-nazi era feito muito diferente do que ser pro-alemão. Neste país, algumas das cicatrizes de 39-45 estão mal fechadas e deixam ainda sair pus e sangue.

 

Neste mês de Julho em Bruxelas, porém, não se dá por isso. Perfilou-se mal maior: o calor, para o qual Bruxelas está ainda mais mal apetrechada do que Lisboa está para o frio. (As duas cidades onde vivi mais convencidas de terem um bom clima, foram Lisboa e a Cidade do Cabo, tão convencidas, a despropósito, que se rapava nelas no inverno frio de rachar. Quando eu era novo, em Lisboa, não percebia porque é que os vestiários para sobretudos estavam dentro de casa. Deviam estar fora, porque era dentro de casa que se tinha mais frio.)

 

«Pior que Kinshasa» ouvi em francês belga, de mesa ao lado da minha numa esplanada. Cada um tem as suas referências africanas e as belgas são diferentes das nossas  e menos frequentes. Não houve colonialismo mais bruto e desumano e a juventude belga de hoje condena-o muitas vezes. Mas a grande maldade dos dias que vivemos é o calor: 44 graus Celsius previstos para quinta-feira. Talvez desde as matanças mandadas fazer pelo Duque d’Alba não tenha havido tanto incómodo.

 

Mas nisto de calor, a palma d’ouro vai para Federico Garcia Lorca. Em Granada, dizia ele, no verão o calor é tanto que não se passa nada. «Dos y dos nunca llegan a ser quatro. Quedan siempre y solamente dos y dos».

 

 

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Quarta-feira, 28 de Novembro de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

giovanni-domenico-cerrini-vanitas--time-reveals-the-truthTime reveals truthGiovanni Domenico Cerrini 

 

José Cutileiro

 

Armadilhas da verdade

 

“A verdade, Zé, é uma água muito quente onde eu de vez em quando meto um dedo para ver se ainda queima e ainda” disse-me o Luís Sttau Monteiro que era mitómano e encantador, uma manhã no Almanaque.

 

A mitomania é incurável. Cardoso Pires fora a França por uma semana mas ficara lá dois meses e o Luís começara a dizer que recebera carta dele de vinte páginas, algumas manchadas de lágrimas, em que narrava amor novo e intenso que o mantinha fora. Quando voltou, alguém lhe falou da conversa do Luís e o Zé não gostou. Convocou-o para reunião no Almanaque e pediu-me para ir também; contou-lhe o que lhe tinham dito da carta que não lhe havia escrito e perguntou-lhe se era verdade. O Luís respondeu que sim mas não por culpa dele: mentia compulsivamente porque em pequeno dera queda grave, fora operado à cabeça e “metade do meu crânio é de platina”. O que era mentira. O Zé trocou olhar comigo e aceitámos a explicação.

 

Para quem não seja mitómano, as armadilhas são outras. Por exemplo: adolescente, o meu amigo António passou uns dias na Irlanda em casa de condiscipulo no colégio interno de Millfield. Na primeira noite sonhou que no dia seguinte iam a outra casa de campo próxima onde havia rapariga muito bonita, música como ele, e que dormiam juntos. No dia seguinte tudo aconteceu assim. Quando em Londres me contou acrescentou: “Nunca na vida acreditei em coisas destas. E agora?”

 

O Almanaque e Millfield foram há muito tempo. Na semana passada, taxista disse-me esperar “não estar a ofender ninguém mas não acredito em religiões, em nenhuma. Nunca ninguém voltou da morte para nos dizer o que havia”. Respondi que não estava ofendido e continuámos a conversa. De uns 65 anos, belga nascido em Bruxelas a mãe espanhola católica e pai muçulmano marroquino, vivera desde pequeno entre duas fés e acabara por não aceitar nenhuma. Depois da morte dos pais continuara a ver gente da família da mãe, dava-se ainda com alguns deles - “os católicos são muito tolerantes” – mas a família do pai ostracizara-o porque acabara a não acreditar no Deus deles. Eram os seus parentes paternos extremistas muçulmanos, perguntei? (Bruxelas tem muitos. Do bairro de Mollenbeek sairam os cabecilhas dos ataques terroristas em Paris de 2015 e tinham saído para o Afeganistão os assassinos do comandante Massoud em 2001). Não. Eram muçulmanos correntes, iguais a tantos outros. “São todos fanáticos. Lembra-se da fatwa contra Rushdie? Está em vigor e ele vive escondido. E os marroquinos são como os persas: quem não tiver a fé deles é inimigo.”

 

Contra Trump e Orban, espíritos bons e justos exortam-me a distinguir entre Islão verdadeiro, de amor e tolerância, praticado por milhões de muçulmanos e o credo distorcido e cruel dos terroristas que me queiram matar. A experiência do taxista é que no Islão os bons são tão pouco de fiar quanto os maus mas não sei se os pais dele se tratavam bem ou mal, davam ou não bom viver em casa. A verdade nem veio nem se foi.

 

 

 

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Quarta-feira, 31 de Outubro de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

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Adão e Eva - Peter Paul Rubens

 

José Cutileiro

 

 

O povo é quem mais ordena

 

 

A extrema riqueza e a extrema pobreza têm uma coisa em comum: ambas assustam à primeira vista, disse já não me lembro ao certo (a idade não perdoa) que escritor inglês - e era capaz de ter razão. Digo ‘era capaz’, porque não tenho experiência que chegue na matéria. Um ou outro marajá ou príncipe árabe em festas de Oxford, às vezes com atavios tradicionais e caprichos malcriados; uma manhã a pé por ruas de Karachi, com cuidado para não pisar cadáveres de gente acabada de morrer de fome.

 

A esmagadora maioria dos ricos e dos pobres que encontrei na vida estavam muito longe desses extremos, embora suficientemente perto para a gente saber que uns eram os pobres e outros eram os ricos e ser às vezes tentado a compará-los.  Passando do dinheiro à política, quem diga pobres e ricos poderá também dizer bases e cúpulas, povo e poder. E aí a minha experiência profissional quer como antropologista no Alto Alentejo  nos anos sessenta do século passado quer como diplomata na Bósnia Herzegovina no começo dos anos noventa do dito século, convenceu-me de coisas que não vêm e não são sugeridas nem no Sermão da Montanha de Nosso Senhor Jesus Cristo nem no Manifesto Comunista dos alemães anglicizados Karl Marx e Frederich Engels. (Parêntesis: se acrescentarmos Freud e Einstein a esse estojo de ferramentas intelectuais para entendimento do século XX, ficaremos com ramalhete que deixará de água na boca qualquer antissemita americano que se preze, já a engatilhar as muitas armas de fogo que o Estado os encoraja a ter em casa. Parêntesis fechado).

 

O que eu descobri nas minhas andanças alentejanas e balcânicas no já remoto século passado – ou descobri independentemente, ou julguei ter descoberto, ou, dirão alguns, tomei nuvem por Juno e elaborei enganado – foi que os pobres são piores do que os ricos (não só fisicamente, pois remédios custam caro, mas também moralmente) e que as bases são piores do que as cúpulas. Talvez isto não se note tanto porque os ricos dão mais nas vistas. O escândalo da tia do meu chorado Raúl Miguel, fechada num manicómio quando se apaixonou por amanuense pelintra, pela família que subornou psiquiatras e juizes, até deu uma peça de teatro de Ramada Curto. Dos muito velhos e velhas em famílias de trabalhadores rurais, mortos devagar de fome por só os deixarem comer à proporção das suas míseras reformas, ninguém falou. Quanto à política: hoje o Dr. Karadzic, chefe dos sérvios bósnios em 1992, preso na Haia, apela de sentença de quarenta anos de cadeia. Ele era a cúpula: e passava o tempo a tentar moderar as suas bases que queriam sempre matar e espoliar mais croatas e muçulmanos.

 

O que me leva ao Pecado Original e ao à vontade que Silicone Valley veio dar à maldade humana. Fartai vilanagem! Tempo haverá até serem criados novos estabilizadores de decência e bom senso. Entretanto, o Brasil está à beira do abismo. Mas, como dizia o meu amigo Vernon Walters: «Você olha pró abismo e o Brasil não cabe!».

 

 

 

 

 

 

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Quarta-feira, 22 de Agosto de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

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Edmund Burke retratado por Joshua Reynolds
via Wikimedia Commons

 

 

 

 

José Cutileiro

 

O primeiro pecado é ser pobre

 

 

Assim declarava o anglo-irlandês Bernard Shaw (1856-1950) e acrescentava: Quando alguém me diz sou inculto mas é porque sou pobre, está a desculpar um mal com outro pior; é como se me dissesse: sou coxo mas é da sífilis. Shaw morreu velho demais para a altura – partira o colo do fémur e respondera a jornalistas à entrada do hospital: se eu escapar desta é porque sou imortal – mas não era e lá ficou. Isto há quase três quartos de século mas, há pouco tempo, tão pouco que lhe escrevi IN MEMORIAM no Expresso, morreu quase tão velho quanto Bernard Shaw mas sem ninguém estranhar isso (hoje, morrer com mais de noventa anos é banal) o francês Claude Lanzmann (1925-2018), autor do filme de dez horas «Shoah», monumento cinematográfico e ariete da condenação do antissemitismo (e único amante de Simone de Beauvoir  autorizado a viver debaixo do mesmo teto que ela), várias décadas antes de morrer declarara: Falhei a vida – J’ai raté ma vie – porque não nasci rico.

 

Sentimentos assim são raramente expressos com essa clareza cirúrgica mas muita gente os alberga, sobretudo em alturas em que o futuro vislumbrado pareça ser menos  agradável do que o presente; em que se pense que os filhos vão ter pior vida do que os pais, como está a acontecer agora na Europa e nos Estados Unidos da América (salvo entre aqueles que os espanhois chamam los ricos-ricos) e não acontecia desde o fim da Segunda Guerra Mundial, décadas em que a gente, de um e do outro lado do Atlântico, até já se esquecera de que tal poderia acontecer. E quando, ao contrário do que se passa agora, cada um sabia ir ganhar mais para o ano, como neste ano ganhara mais do que no ano passado; quando a minha mulher a dias, sabendo que trocaria vantajosamente o seu Toyota em segunda mão, tanto se lhe dava quanto se lhe desse que eu tivesse um ou dois BMWs ou que banqueiros milionários fotografados em revistas a cores coleccionassem Bentleys ou Ferraris. Tout allait pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles.

 

Chão que deu uvas e, entretanto, tudo se complica: sem benevolência cúmplice do pobre para o rico, o fel de tribunos enraivados enche as almas do povo que os aplaude. (Os Burke* têm quase sempre razão mas os participantes quase nunca lha a dão a tempo – L’on immole à l’être abstrait les êtres réels et l’on offre au peuple en masse l’holocauste du peuple en détail observou Benjamin Constant sobre o chamado Terror da Revolução Francesa, ninharia por padrões contemporâneos mas marco de infâmia na história europeia). Tal se passa agora nos Estados Unidos: a energia de Trump assegura preferência e apoio inabaláveis de brancos pobres, que metem medo aos parlamentares do Partido Republicano os quais por isso não se opoem a medidas calamitosas, prometidas em campanha pelo Presidente. Por detrás do espectáculo acumulam-se dolos e prejuízos crescentes – materiais e morais – para os Estados Unidos e riscos de mais incómodos, alguns fatais, para toda a gente.

 

 

*Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France, Londres, 1790

 

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Quarta-feira, 1 de Agosto de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

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 Napoleão Bonaparte em Santa Helena

 Benjamin Robert Hayden

 

 

 

José Cutileiro

 

 

 

O Bem, o Mal e o Outro

 

 

Napoleão nasceu na Córsega, Estaline na Geórgia e Hitler na Áustria. Não há muitos franceses a detestar Napoleão que, do Panteão à Legião de Honra domina a paisagem (cada francês é coluna salomónica de um Ci-devante um Sans Culottee Napoleão ampara os dois). Quanto a Estaline, os pareceres estão divididos e pulhas como Putin hão de querer sempre puxá-lo para cima e esquecer as atrocidades. No que diz respeito a Hitler, circunstâncias garantiram que por mais de meio século a enormidade do Mal continuasse bem presente mas a canalha saudosista e os seus herdeiros começam a criar espaço, não só na Alemanha, para conversa ambígua que, ao longo da História, acabou sempre em anti-semitismo.

 

É a natureza humana. A escala modesta: quando eu era pequeno, em aldeias do Alentejo onde só houvesse uma loja que vendia de tudo, o dono tinha quase sempre vindo de fora (é mais fácil não fiar a estranhos do que a amigos e parentes que no dia do enterro segurarão borlas ou maçanetas). E as lealdades da tribo não aguentam sempre. No Reino de Aragão da Idade Média, em zaragata de feira, homem acossado gritava o seu nome e quem fosse da família saltava para o pé dele já de espada desembainhada ou de punhal na mão. O estado moderno, mais complexo, não instila fraternidades tão intensas. Quando, em 1994, fui escolhido para Secretário-Geral da União da Europa Ocidental (na altura, a única organização de defesa europeia) houvera outros candidatos, entre eles Enrique Baron Crespo, que fora ministro de Felipe Gonzalez e Presidente do Parlamento Europeu. Passado mais de um mês recebi de amigo espanhol do meu tempo de Oxford carta manuscrita em inglês, datada em Darkest Périgord que começava assim: Dear José, The joy of seeing Enrique Baron lose the job, almost made me forget to congratulate you on getting it.

 

É por estas e por outras que os povos desconfiam das elites e nos têm mimoseado nos últimos tempos com criaturas mais ao gosto deles: Trump nos Estados Unidos (isto é, por toda a parte), Orban na Hungria, Erdogan na Turquia, o gémeo sobrevivente na Polónia e outros, às vezes ainda mais ou menos contidos pelo pendor democrático das instituições, como o jovem Chanceler austríaco. Na Alemanha a extrema-direita entrou pela primeira vez no Bundestag. E, por fim, a maior barbaridade de todas: o resultado do referendo britânico em que a maioria do povo quis sair da União Europeia, sem saber de todo o que isso significaria nem tampouco como o fazer. O espectáculo em Londres tem sido penoso e, do lado europeu, há também quem esconda mal a alegria de se ver finalmente livre da grande achega de decência e bom senso que o Reino Unido nos continuava a dar a todos.

 

Voltando ao começo: faz sempre jeito ter um bode expiatório para levar com a ira de Deus (ou, mais modestamente, com as sanções terrenas do inimigo vencedor). Mas my country right or wrong foi chão que deu uvas: as piores guerras são as civis. Quand je tue je sais qui je tue.

 

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Sexta-feira, 20 de Julho de 2018

Evora-Africa

Até 25 de Agosto de 2018 em Évora

O programa completo pode ser consultado em http://evorafrica.pt/

 

 Chéri Samba

Chéri Samba

© http://www.magnin-a.com

 

A exposição de arte contemporânea "African Passions", no Palácio Cadaval, com curadoria de André Magnin e Philippe Boutté - a primeira que realiza em Portugal - inclui obras de artistas plásticos e fotógrafos do Congo, Costa do Marfim, Moçambique, Mali, Senegal, Benim, África do Sul e Madagáscar.

 

O festival "Evora Africa", que se prolonga até 25 de Agosto, apresenta um diversificado programa de exposições, concertos, performances, conferências e DJ'S e reúne trinta artistas plásticos contemporâneos, músicos e performers africanos. 

 

 

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Omar Victor Diop, Série Diáspora

© http://www.magnin-a.com

 

Para além do Palácio Cadaval, o Templo Romano, o Cromeleque dos Almendres e a Biblioteca Pública de Évora serão palco de espetáculos da Orquestra Ballaké Sissoko, Costa Neto, Irmãos Makossa, Rita Só, Johnny Cooltrane, Mbye Ebrime, DJ Rycardo, Companhia Xindiro e os jovens dançarinos, Celeste Mariposa, Bambaram, Bassekou Kouyate, Selma Uamusse, Bubacar Djabaté, Áfrika Aki, The Zaouli de Manfla, Miroca Paris, DJ Ibaaku, Sara Tavares, Congo Stars de Vibration, Dj Lucky, Lady G Brown.

 

 

Malick Sidibé | Courtesy Galerie MAGNIN-A, Paris

 Malick Sidibé, Nuit de Noël (Happy Club), 1963

© http://www.magnin-a.com

 

 

 

Centro de Arte Quetzal, Vidigueira

 

No contexto do festival, o Centro de Arte Quetzal apresenta uma selecção de trabalhos dos artistas sul-africanos Marlene Dumas, Moshekwa Langa e William Kentridge, incluindo a série de curtas-metragens de animação (Dez desenhos para projecção 1989-2011), e um mural tipográfico da artista egípcia e libanesa Bahia Shebab, com o título Mil Vezes Não.

 

W Kentrridge

William Kentridge Levitation 1996

 

 

 

Marlene Dumas

Marlene Dumas Cain+Abel (Twins) 1989

 

 

 

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Quarta-feira, 6 de Junho de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

el greco

 S. Francisco de Assis - El Greco

 

 

José Cutileiro

 

 

A parte colérica da alma

 

 

Partido de extrema-direita ganhou as eleições na Eslovénia e irá juntar o país a outros do Centro e do Leste da Europa – Hungria, Polónia, República Checa, Áustria - e talvez em breve também do Oeste – Itália - que dizem não a emigrantes vindos de África e de Ásia (terras viciosas que há cinco séculos os portugueses andaram devastando, cantara Luís, zarolho de génio de cuja data de morte fizemos dia nacional, celebrado no Domingo).

 

Setenta e três anos passaram sobre a afirmação universal do Bem, quando em 1945 o Terceiro Reich se rendeu incondicionalmente aos aliados; afirmação confirmada, para os que ainda tivessem dúvidas, quarenta e quatro anos depois, quando o Muro de Berlim foi deitado abaixo e os aliados bons derrotaram por fim os aliados maus; com demão suplementar da dita confirmação aplicada zelosamente entre Janeiro de 2009 e Janeiro de 2017 por Barack Obama, então inquilino da Casa Branca, convencido de que a sua passagem por lá iria melhorar o mundo (Razão, irmã do amor e da justiça mais uma vez escuta a minha prece, rogara também Antero, o suicida do jardim público em Ponta Delgada).

 

A parte colérica da alma está a voltar em força e a fomentar ódio ao estrangeiro em corações que nos últimos decénios andavam distraídos por outras coisas. Praticam-se crueldades que, julgávamos nós, tinham passado a ser inadmissíveis. Na fonteira entre o México e os Estados Unidos, famílias latino-americanas que para estes queiram emigrar legalmente vêm os filhos separados dos pais até à conclusão do processo, isto é, sine die, sem nada saberem uns dos outros. Tal enormidade Trumpiana (ele diz que a lei vem dos Democratas mas é mentira), condenada até por alguns senadores norte-americanos, continua de vento em popa. De desmandos de Putin, Orban, Erdogan, do faraónico Sisi e outros mandachuvas africanos, do grande chefe chinês que se fez declarar perpétuo pelo Partido, sabemos todas as noites no telejornal (se Sócrates, Pinho, EDP, Sporting, eutanásia e dentro de dias campeonato do mundo de futebol deixarem tempo…) e cada um já não nos incomoda mais que escassos segundos.

 

Achamos outra vez natural que os humanos sejam maus como as cobras uns para os outros, o que sempre aconteceu e muitas vezes por razões consideradas boas (quando retomou Goa em 1510, Albuquerque terríbil encheu um bote com orelhas e narizes de muçulmanos locais, castigados por o terem traído; no seu tempo de Vice-Rei, em barco cheio de muçulmanos apresado no alto mar, homens, mulheres e crianças eram sempre passados a fio de espada que a segurança do Império dispensava mais mourama).

 

A demanda do Bem, a convicção de que a felicidade passara a ser possível não levaram só ao Gulag ou a Pol Pot. Na decência tenaz de algumas  democracias burguesas pareceu  à vezes que certas maldades tinham acabado (como a varíola, no mundo natural). Grande engano. Como um sábio lembrou, a guerra é tão antiga quanto a humanidade; a paz é uma invenção recente.

 

 

 

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Quarta-feira, 30 de Maio de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

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 Caravaggio (1595)

 

 

 

José Cutileiro

 

 

Os cotovelos da Europa

 

 

… eram a Inglaterra e a Itália, decidiu o nosso Fernando Pessoa no começo do seu único livro de versos publicado em vida, « Mensagem », que apresentou a concurso organizado pelo Secretariado de Propaganda Nacional do governo do Dr. Salazar onde lhe deram menção honrosa (o 1° Prémio foi para « Romaria », do padre Vasco - do apelido esqueci-me - de quem toda a gente se esqueceu também). Um dos cotovelos era a Inglaterra, o outro era a Itália. Com tais cotovelos no estado em que estão hoje a Europa arriscar-se-ia a cair de caras o que seria mau para nós porque para o compincha de Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e mais rapaziada (não havia meninas) o rosto da Europa era Portugal.

 

A Inglaterra foi sempre pedra no sapato da Europa e o Brexit, quando veio, não espantou ninguém. Por outro lado, como a prosperidade dos ilhéus depende de relações mutuamente vantajosas com o resto da União, há cada vez mais gente a querer que, por fim, não haja saída ou que haja saída tão parecida com não a ter havido que ninguém dê por isso (que não se sinta diferença no tinir dos dobrões no bolso, diria o meu amigo Henrique). Se Putin continuar, sempre, a meter medo e Trump continuar a meter, às vezes, medo maior ainda, talvez a prudência leve a resultado que nos enriqueça a todos em vez de nos empobrecer.

 

O susto agora não vem desse cotovelo. Vem do outro, do italiano. A Itália, um dos seis países fundadores do que é agora a União Europeia (mas o único cujos chefes não podiam voltar de automóvel para dormirem em casa depois de jantarem todos em Bruxelas, por ser longe de mais), país rico com manhas de país pobre onde a vergonha é opcional, tem a maioria dos eleitores contra a Europa pela primeira vez desde as Comunidades Europeias. A leitora saberá de peripécias recentes: eleições puseram no topo A Liga, partido de direita dura, racista, xenófoba, nostálgica de Mussolini e o 5 Estrelas, partido meio virado para o infinito meio virado para bardamerda, ramalhete de fantasias irresponsáveis italianas que recebeu ainda mais votos do que o outro. Nada os une salvo ódio à Europa, ao euro, às elites políticas tradicionais do país, de Berlusconi a Renzi, e à estrangeirada – pretos e alemães à cabeça. O Presidente da República encarregou de formar governo nulidade aldrabona por eles indicada mas recusou-se a aceitar para ministro das finanças economista que advogara saída do euro. Impasse: a nulidade retirou-se, os dois partidos bateram a porta, o Presidente encarregou tecnocrata (tão amigo da austeridade que lhe chamam O Tesouras) para formar governo de gestão e daqui a poucos meses haverá novas eleições.

 

Bruxelas suspirou de alívio; Macron saudou a coragem do Presidente. Eu tenho dúvidas. No governo, a coligação depressa daria ditos por não ditos, exporia sua incompetência e se desfaria. Assim ganhou capital de queixa populista e será mais difícil de combater no futuro.

 

“Ai esta Europa, esta Europa…” diria a Avó Berta.

 

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Quarta-feira, 16 de Maio de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

Balthus - La partie de cartes, 1948- 1950, Thyssen

 Balthus, 1948/50

 

 

 

José Cutileiro

 

 

A nudez forte da verdade

 

 

                 A verdade, Zé, é uma água muito quente onde eu de vez em quando meto um dedo para ver se ainda queima – e ainda!                                               Luís de Sttau Monteiro, em conversa, circa 1960.

 

« Conhecemos bem esse Portugal dos favores, cunhas e notas por debaixo da mesa. Era prática ‘institucional’ que todos condenavam indignadamente mas a que todos recorriam alegremente. Mudar o statu quo de uma penada está a ser dificil » escreve-me sobre o Bloco da semana passada leitora fiel e avisada que usa o pretérito para as malfeitorias e o presente para o começo da mudança.

 

Oxalá tenha razão nos tempos dos verbos. Que neste ano da Graça de 2018 haja começado outro Grande Salto em Frente lusitano, mais de meio milénio depois do primeiro calar tudo o que a musa antiga cantava. Oxalá - mas não estou seguro. Costumes antigos, como burros velhos, não aprendem línguas. E algures entre o roteiro de Álvaro Velho relatando a viagem de Vasco da Gama à Índia (1498) e a carta de Fradique Mendes à madrinha relatando chegada a Lisboa, a Santa Apolónia e de lá para o Hotel Bragança, numa noite de temporal (1885), dera-se grande mudança. Com o criado inglês e a bagagem já no hotel, Fradique confronta o cocheiro que, debaixo de chuva torrencial e sem outro fiacre à vista, antes de começar a corrida impusera preço exorbitante.

 

« Com que então são três mil reis ?’

‘Eu disse aquilo por dizer. Não tinha conhecido o Senhor D. Fradique. Para o Senhor D. Fradique é o que o Senhor D. Fradique quiser.’

Dei uma libra àquele bandido. »

 

A indignação contra a corrupção que borbulha agora é circunstancial e raramente vem do fundo da alma. A retórica das manifestações de desagravo é oportunista. Sem protestantes e sem judeus desde o Concílio de Trento, nós, portugueses, não temos medo essencial de Deus (não o confrontamos directamente; contamos com os Santos que são os Senhores Doutores do Céu  para nos defenderem), temos medo acessório da polícia – e os mais ginasticados viram a casaca enquanto o Diabo esfrega um olho. A seguir à convenção de Évora-Monte, a Câmara de Monsaraz, miguelista durante toda a guerra civil, escreveu a D. Maria II protestando amor e fidelidade « que o jugo do usurpador há muito fizera calar em seus peitos fiéis». Vamos ver agora muito disso.

 

Vão ser tempos difíceis. Ou desistimos de morigerar o país, rapaziada esperta passará a desembaraçar-se como no sul de Itália ou na Córsega, controle e riqueza serão partilhados à força com bandidos mafiosos e não haverá turismo ou Europa que nos salve dessas servidões, o que seria uma pena. Ou apesar de tudo como Camus talvez tivesse razão e haja no homem mais de bom do que de mau, insistiremos em querer passar pela porta estreita, seguir pela via direita, portarmo-nos como gente de bem e antes de chegarmos à decência colectiva viveremos tempos dolorosos. A nudez forte da verdade ficará às vezes coberta de nódoas negras.

                                                              

 

 

 

 

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Quarta-feira, 2 de Maio de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

matsys

Quentin Metsys - O Cambista e a sua mulher (1519)

 

 

 

José Cutileiro

 

 

 

Deutschland, Deutschland über alles

 

 

 

Quem é o maior inimigo da União Europeia? O Reino Unido, de saída no comboio fantasma do Brexit? Itália, onde maioria dos eleitores votaram este ano em partidos que não a querem? Polónia, a submeter o poder judicial ao poder executivo? A Hungria autoritária e xenófoba de Vitor Orban?

 

Ou estará o inimigo fora de portas? Os Estados Unidos de Donald Trump com o seu ataque sistemático ao ambiente e a sua guerra comercial contra mundo? A cleptocracia de Vladimir Putin, incapaz de diversificar economia de gás e petróleo, com 110 pessoas donas de 35% da riqueza russa, a mão de ferro do Kremlin a dominar jornais, telefonias e televisões, controlando a opinião interna, e ordena piratagem informática (e um assassinato ou outro), para tentar destabilizar potências estrangeiras, grandes ou pequenas? Ou será a China, planeando a longo prazo (que já não é o que era: Keynes escreveu que a longo prazo já teremos morrido todos mas agora, a longo prazo, ainda alguns de nós por cá andarão)?

 

Ou, para espíritos seduzidos pela teoria conspirativa da história, todos estes, mancomunados uns com os outros?

 

Nada disso, leitora. O maior inimigo da União Europeia é afinal a Alemanha, que é também o mais populoso e o mais rico dos seus Estados Membros bem como, até há poucos anos, o era a Alemanha Federal – antes da reunificação havia duas Alemanhas - o único a encontrar na Europa um Ersatz de Pátria . Em 1996, em Bruxelas, coronel alemão que trabalhava comigo na UEO e fora no dia 9 de Maio a espectáculo na Grand Place para celebrar o Dia da Europa, contou-me, indignado, que só ele, a mulher e os filhos se tinham levantado quando fora tocado o Hino da Europa (4º andamento da nona sinfonia de Beethoven, sobre a Ode á Alegria de Schiller).

 

Em 1945, os europeus beligerantes estavam de rastos e a Alemanha, além disso, com quatro patas em cima (USA, URSS, Reino Unido e França) para só se levantar devagar e desarmada. Mas em 1957 já assinou o Tratado de Roma (a Itália também); laboriosa e disciplinada fora pagando a sua conta, pagamento muito facilitado porque se precisava dela forte, perante a União Soviética. Com os anos foi recuperando muitas das características de uma grande potência (e uma rara nestas: era o único dos “grandes” a esforçar-se por tratar bem os “pequenos”). Antes de se dissolver, a União Soviética consentiu na sua reunificação. Aí as coisas mudaram.

 

A “construção europeia” fora inventada na esperança de se poder viver em paz com a Alemanha depois das duas tragédias da primeira metade do século XX. Funcionou enquanto a Alemanha era devedora e estava dividida. Cofre pagador e reunificada, opõe-se a qualquer forma de mutualização da dívida. Acredita que o Norte protestante da Europa é bom e o Sul católico e ortodoxo é mau. Dívidas são pecados. Conservadores, liberais, verdes e democratas sociais acham “que a Europa está como está porque não se foi suficientemente duro com os países do Sul”. Nada bom à vista.

 

 

 

 

publicado por VF às 09:00
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