Montras c. 1960
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traje masculino - século XIX
Para em tudo ser grande, este homem singular a quem os seus contemporâneos chamaram «o divino», como a Platão, foi um dos maiores, senão o maior elegante do seu tempo. Poeta do amor, tão belo, que se um dia os Amores descessem à terra fariam o ninho num verso seu; orador tão eloquente, que o seu verbo evocava o daqueles atenienses maravilhosos que, envoltos no seu pálio branco, arrastando as suas sandálias doiradas, discutiam sob os loureiros roxos dos jardins de Academo: diplomata, homem do mundo, grande do ir mo, ministro de Estado — Garrett levou trinta anos de vida a espalhar em volta de si, como braçados de rosas, a elegância, a harmonia, a beleza e a graça. Por onde quer que passasse, a Moda curvava-se diante dele. Ministro na Bélgica, foi tão grande o sucesso pessoal da sua elegância que por toda a parte, nas montras, nos cartazes, nos jornais de Bruxelas aparecem as «capas à Garrett», os «chapéus à Garrett», as «jóias à Garrett». Regressando a Lisboa em 1846, de tal forma o seu tipo inconfundível se impôs, tanto o imitaram e o copiaram, que todos os retratos em miniatura pintados por Guglielmi parecem, pelo talhe das barbas, pelo jeito das cabeleiras, peias pequenas moscas, pelos próprios folhos das camisas, o retrato de Garrett. Como Brummell, tudo na sua elegância era simples, mas tudo era perfeito e minucioso. Vestia-se em Inglaterra. Mandava vir de Londres as casacas, as meias, os sapatos de baile, as luvas de Jouvin, a libré verde do groom, a suit of clothes com que passeava em Sintra, até os seus assombrosos pijamas matinais de xadrez branco e vermelho, cuja pantalona afunilava em meia como a dos arlequins. Bulhão Pato descreve o trajo com que ele se apresentava nas Câmaras, o mesmo que usava nas lutas da eloquência e nas entrevistas de amor: «Casaca verde-bronze com botões de metal amarelo recortado sobre veludo verde; colete branco, deslumbrante, grandes bandas; calça de flor de alecrim; camisa finíssima, encanudada; luvas amarelas.» Quando tinha de pronunciar algum dos seus monumentais discursos, não esquecia nenhum pequeno pormenor de elegância: ele, que não usava rapé, levava sempre consigo uma pequena tabaqueira de ouro para o ajudar nos gestos; e nunca, antes de começar a falar, deixava de esfregar as mãos para as fazer mais pálidas. Como a sua nobre figura dominava então a assembleia! Que harmonia de atitudes! Que elegância majestosa, só comparável à de Lamartine! Iluminava-se, crescia, arrebatava. E, entretanto, Garrett não era belo. Garrett lutava com a falta de dotes naturais. O milagre da sua elegância foi, sobretudo, uma obra de arte, de paciência e de génio. Tudo nele era postiço, desde o espartilho até ao chinó, desde os dentes até às ancas, desde o chumaço dos ombros até ao bucho das pernas. Quando à noite recolhia a casa, depois de um baile ou de uma recepção, desmanchava-se como um puzzle. E o que tem graça, é que era ele o primeiro a rir-se dos ridículos a que o obrigavam, não só os seus defeitos físicos, mas as própria exigências da moda de 1840. Uma noite, o criado de quarto de Garrett adoeceu e teve de ser substituído por outro — um pobre rapaz boçal chegado da província. Quando o «divino», quase de madrugada, de calção e meia, regressava de um baile dos marqueses de Viana — o primeiro baile de Lisboa em que apareceram camélias do Japão — foi já o criado novo que, pela primeira vez, se apresentou para o despir. — «Começamos pelo chino, percebe?» — disse-lhe Garrett, tirando a cabeleira postiça e enfiando-a na boneca. O pobre rapaz, que nunca tinha visto arrancar os cabelos da cabeça com tanta facilidade, ficou varado de espanto. Depois, o poeta tomou um pequeno espelho, abriu a boca, fez saltar a dentadura e deu-a ao criado: — «Tome lá os dentes. Meta-os num copo de água.» O assombro do pobre homem subiu de ponto. Imperturbável, Garrett despiu a casaca em «busto de abelha», o colete de reflexos de prata, o espartilho, e apontou os chumaços das espáduas: — «Tire-me os ombros.» Em seguida, puxou uma cadeira, assentou-se: — «Agora, tire-me as barrigas das pernas.» O criado, muito pálido, coberto de suores frios, teve naquele instante a impressão de que o amo ia desfazer-se todo. (Garrett percebeu, levantou-se, avançou para ele e disse-lhe, olhando-o fixamente: — «Agora, desatarrache-me a cabeça devagarinho.» O pavor do ingénuo provinciano foi tal que abalou pela porta fora e nunca mais ninguém o viu. Este epislódio pinta a figura do poeta muito melhor do que todos os retratos e todas as caricaturas. No fim da vida, no período agudo da paixão pela Ignota Dea das Folhas Caídas, Garrett esqueceu-se por vezes de que já tinha mais de cinquenta anos e de que nem todas as idades suportam as modas excessivamente audaciosas. Quando sobraçava a pasta dos Negócios Estrangeiros, apareceu um dia em conselho de ministros com umas extravagantes calças de quadradinhos brancos e roxos, que fizeram sensação em Lisboa e que chegaram a despertar receios de natureza política. — «Então, como vão esses negócios da Fazenda?» — perguntou o poeta ao seu colega Rodrigo da Fonseca, estendendo-lhe afectuosamente a mão. — «Mal, muito mal — respondeu o espirituoso Rodrigo. — Sobretudo, os negócios da fazenda das tuas calças. Se tu apareces assim no Parlamento, deitas o governo a terra!» A sua última preocupação foi a de mandar gravar por toda a parte, na baixela de prata, nos sinetes de uso, nas pedras dos anéis, o seu escudo de armas rodeado das insígnias da grã-cruz e bailiado de Malta. A morte, porém, que tantas vezes tem piedade do génio, não o deixou ser ridículo por muito tempo. Dois anos depois, o divino Garrett, príncipe dos príncipes da elegância portuguesa, rodeado de flores, compondo ainda ao espelho a sua última toilette, morria vítima das duas mais terríveis doenças que se conhecem no mundo: a política e o amor. Sem dúvida, foram estes os corifeus da elegância romântica em Portugal — os «internacionais», aqueles cujas jóias e cujas casacas nos fizeram, por um momento, quase tão admirados na Europa do século XIX, como os coches de D. João V nos tinham feito célebres na Europa do século XVIII. Mas, ao lado destes, quantos outros! Quanto janota ilustre fascinou Lisboa, nessa longa parada de elegâncias que ia da plateia de S. Carlos até aos salões da Regaleira, do Marrare de Polimento até às alamedas doiradas do Passeio Público! De quantos está ainda fresca a memória, elegantes pragmáticos, devotos fiéis do ritual da Moda, capazes de se deixar insultar para não desfazer um só caracol da cabeleira, de se deixar matar para não desmanchar uma só prega das calças! Alguns passam, flagrantes e vivos, diante dos meus olhos.
Júlio Dantas in O heroísmo, a elegância, o amor*
Edições Roger Delraux
© Maria Isabel Dantas, 1980
* Conferências proferidas no Brasil em 1923 pelo autor, a convite da Academia Brasileira de Letras, por proposta do romancista Coelho Netto:
O Heroísmo: O Mosteiro da Batalha
A Elegância: Os Elegantes do Romantismo
O Amor: Mulheres que Camões amou
Nota:
O meu agradecimento a Manuel Sant'Iago Ribeiro, que me deu a conhecer estas conferências.
A imagem é do blog Des bobines et des songes
Surge finalmente uma bonita colecção a preço acessível que vem colmatar a quase total ausência de obras de referência sobre a história do design contemporâneo em Portugal.
A Colecção Design Português, constituída por 8 volumes organizados cronologicamente, apresenta-se como a primeira história do design nacional desde o início do século XX até à actualidade nas mais diversas áreas de intervenção. Reúne os principais designers portugueses e descreve, em cerca de 800 páginas, a evolução do design, o seu contexto histórico, as modalidades da sua prática e os debates teóricos que acompanham a institucionalização desta disciplina.
O último volume sai hoje com o Público.
COLECÇÃO DESIGN PORTUGUÊS
Coordenação de José Bártolo
Edição ESAD e Verso da História, com a chancela do Ano do Design Português
Distribuição com jornal Público, todas as terças-feiras, até 12 de maio
Volume 1: 1900-1919 | Maria Helena Souto
Volume 2: 1920-1939 | Rui Afonso Santos
Volume 3: 1940-1959 | Maria João Baltazar
Volume 4: 1960-1979 | Victor M. Almeida
Volume 5: 1980-1999 | Helena Sofia Silva
Volume 6: 2000-2015 | José Bártolo
Volume 7: Cronologia 1900-1959 | José Bártolo
Volume 8: Cronologia 1960-2015 | José Bártolo
Casa de Alvellos, Freixo de Baixo c. 1920
Casa de Alvellos, Freixo de Baixo, c. 1930
Da esqª para a dtª : Hugo Belmarço e Maria José Barros da Costa Belmarço, criança não identicada, Maria de Lurdes da Costa Belmarço, homem não identificado, Ana Maria Barros da Costa Morais, Pedro Alvellos, Manuel José da Costa Belmarço, Jorge Morais.
Maria José e Ana Maria Barros da Costa eram filhas dos viscondes de Alvellos, segunda e último a contar da esquerda nesta fotografia.
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Duas fotografias do álbum do Brasil, de finais do século XIX. O álbum pertenceu a meu tio-avô António Guilherme de Barros Pereira de Carvalho (1893-1939) e chegou-me do Brasil setenta anos depois da sua morte pela mão generosa de Maria Amália Fragelli, que o conservou depois do desaparecimento da única descendente directa de António Guilherme, Stella Maria Pereira de Carvalho.
Brasil, finais do séc. XIX
Aninhas, finais do séc XIX
A menina encostada ao mastro pode ser Ana Maria Barros da Costa Morais, prima de António Guilherme e de Guilherme Júnior, meu avô materno, cujo retrato se encontra na página anterior do álbum e aqui.
Leia mais sobre O álbum do Brasil
Outras fotografias do álbum do Brasil nos posts
Praia de Cabedelo? Portugal c. 1930
Fotografia do espólio de Rui Feijó, gentilmente cedida por Luísa Feijó a quem muito agradeço
Uma visita do Governador-Geral da Índia Portuguesa Capitão de Fragata José Freitas Ribeiro
em começo de 1918
Fotografia gentilmente cedida por Laura Castro Caldas a quem muito agradeço
Fotografia gentilmente cedida por Laura Castro Caldas a quem muito agradeço
Lisboa, 1909
A propósito de post recente no blog Restos de Colecção sobre o Banco Burnay aqui, uma foto de Henry Burnay encontrada no espólio de Venâncio Augusto Deslandes, que vemos à direita, de chapéu alto. A fotografia data de 1909, ano da morte de ambos.
Mais sobre Henry Burnay em Associação dos Amigos da Torre do Tombo aqui
Mais sobre Venâncio Augusto Deslandes neste blog aqui e aqui
O baú do Kremlin
Escrevo longe da Pátria. A 1 de Dezembro era domingo, talvez haja quem nem se lembre de que já foi feriado. “Portugueses celebremos/ O dia da Restauração…”, 1640, a defenestração de Miguel de Vasconcelos (em todas as crises da nacionalidade houve fidalgos que traíram, lembrava o meu chorado Iá), o regresso a penates da Duquesa de Mântua, a chegada ao trono dos Braganças, quarta dinastia que durou mais do que qualquer das anteriores (370 anos) - tudo para esquecer.
Cabeças fracas, admiradoras bacocas de luteranos e calvinistas do Norte frio da Europa, querem fazer de nós gente essencialmente prática e, achando que tínhamos feriados a mais, cortaram a eito sem uma pálida ideia do que faziam. Não só por não saberem História mas também por pouco mais saberem seja do que for para além das preparações técnicas que receberam. E nem nessas são bons: para remédio da doença das nossas finanças os alemães impuseram austeridade e elas aplicaram-na no estado de espírito daquela senhora violada no pinhal da Azambuja por salteadores que tinham amarrado o marido a uma árvore. Quando acabaram e se foram embora ela libertou-o, contrita: “O que é que eu podia fazer, filho?”. “Nada, filha, mas escusavas de dar tanto ao rabo”.
É o dar ao rabo, o contentamento em punir madraços (que não somos, salvo aos olhos vesgos do Norte da Europa) que o povo não perdoa aos nossos governantes, tanto mais quanto os programas que pressurosamente adoptaram foram emenda pior do que o soneto. (Comparem-se números de há 5 anos com números de agora, na economia e nas finanças dos países a quem a austeridade foi imposta). Até o Papa, cujo reino não é deste mundo, se indigna com o que se anda para aí a fazer.
Tratar o povo por cima da burra está na moda. Na Rússia de Vladimir Putin, antigo coronel da ex-PIDE-DGS local, a empresa Louis Vuitton fez construir na Praça Vermelha, à beira do mausoléu de Lenine, um pavilhão de exposições em forma de gigantesco baú – 10 metros de altura, 30 de comprimento – no estilo inconfundível da bagagem da casa, que tapava a vista da igreja de S. Basílio. Iria receber a exposição “Alma das Viagens” feita pela GUM, (antiga loja do Partido, hoje dos plutocratas), com patrocínio de super-modelo russa dada à caridade, namorada de um filho do patrão de Vuitton.
A Praça conheceu melhores dias. Antes de ser Vermelha, vira passar czares; depois, tivera Lenine eterno, paradas militares da URSS, Iuri Gagarin, regressado do espaço. Desde o fim da Guerra Fria, concertos rock, rinque de patinagem, passagens de modelos, saltos de moto, foram-na dessacralizando. O baú de luxo foi a gota de água: afirmação tão descarada do triunfo do capitalismo levantou contra ela não só os saudosos de Estaline mas outros filhos da Mãe Rússia, desgostosos com a modernidade. O baú não durou 24 horas: as autoridades que o tinham aprovado mandaram-no desmantelar.
Excessos eslavos? Ou lembrança de que o povo é fogo e quem brinca com ele acaba por se queimar?