Greta Garbo em Ninotchka
Elogio dos coca-bichinhos
Num fim de tarde sombrio do fim do Outono de 1967, em sala aquecida a gás da cave victoriana de Saint Antony’s College, Oxford, assistia eu a uma das cinco palestras sobre Marx dadas pelo Professor Chemin Abramsky, sumidade que vinha às quintas-feiras de Londres iluminar os nossos espíritos, quando ele declarou que Marx se dera imediatamente conta da importância para a história da Europa da Comuna Francesa como tal. “Engels”, acrescentou, “foi mais lento. Levou-lhe cerca de quinze dias”. (Talmúdico e germânico, Abramsky lera, inter alia, toda a correspondência entre os dois).
Percebi nesse instante que a vida académica onde há três anos me metera não era para mim mas passariam ainda mais sete – e revolta vitoriosa, por fartura das guerras coloniais, de maioria esmagadora de oficiais milicianos e do quadro das forças armadas portuguesas – até a deixar. Sem o espírito coca-bichinhos porém, não haveria ciência e sem ciência não teríamos, por exemplo, nem aspirina, nem aviões, nem o numérico. Outro exemplo: sem inclinação coca-bichinhos a meter ombros à sua visão, o frade de Brno não teria aguentado oito anos de registo da fecundação cruzada de ervilhas de cheiro - e não haveria genética moderna. Nada é simples. Quando Vasco Pulido Valente era candidato a Saint Antony’s, Raymond Carr, director do colégio perguntou-me se o meu amigo era realmente bom. “É um homem muito inteligente” respondi. “Com certeza. Mas porque é que um homem muito inteligente haveria de fazer investigação pormenorizada?”
Até hoje nunca ninguém soube o futuro e continuamos a não o saber. Mas, graças aos progressos da ciência (incluindo nesses progressos a liberdade de estudar o que se quiser e de publicar livremente os resultados desses estudos) tampouco agora temos sobre o passado as certezas que tínhamos. Por um lado, mais uma vez, a liberdade de levantar dúvidas – “If you think your mother loves you, check it”, dizia o chefe da redacção ao estagiário nos grandes anos da imprensa escrita americana – por outro lado, cada vez mais coca-bichinhos auferem tempo e dinheiro para satisfazer a sua curiosidade diligente.
Para a vasta maioria de nós todos incluindo, presumo, a leitora, o colapso da União Soviética e o fim dos regimes comunistas da Europa Oriental foram um alívio para quem lá vivia e um sossego para nós também. Salvo – e, machista, a nossa opinião em geral não reparou nisso – quanto à satisfação sexual das mulheres. Em 1917, mesmo antes do Bolchevismo, tiveram o voto na Rússia; na URSS e satélites depressa ganharam direitos e liberdades económicas e sociais que as libertaram de muitas dependências e jugos do homem. Estaline fez marcha atrás; mas embora menos na URSS, na Albânia e na Roménia onde também houve retrocessos, a situação feminina europeia do lado de lá era muito melhor do que do lado de cá – para mais fruição e prazer das próprias, também sexual. Tudo medido e avaliado agora por coca-bichinhos e coca-bichinhas.
Primavera
Só me dei verdadeiramente conta da Primavera quando ela irrompeu em Oxford, no meu primeiro ano lá. Em Portugal havia uma estação cinzenta, chuvosa e fria de meio de Outubro a meio de Março e uma estação luminosa, quente e seca do fim de Março ao começo de Outubro. (E a Primavera de Cabul, em 1952, entrara e saíra também sem eu dar por ela). Com muitas árvores de folhagem permanente e pouquíssimas de folhagem caduca (ou, em Cabul, quase sem árvores), a natureza não parece morrer e ressuscitar todos os anos como acontece em partes mais temperadas da crosta terrestre do que a Lisboa e o Cabul dos meus liceus, francês em Cabul, Lycée français de Kaboul chamado da Independência, fundado em 1922, destruído pelos talibãs e reaberto em 2002; traduzido do francês em Lisboa, Escola Valsassina seguida de ano lectivo no Pedro Nunes. Nessa altura, o nosso curso dos liceus estava para o curso dos liceus em França como o Dicionário Prático Ilustrado da Lello está para o Petit Larousse: só mudava o vernáculo (e acrescentavam-se pessoas, lugares e feitos da nossa geografia e da nossa história).
A Primavera de Oxford foi um triunfo da vida sobre a morte para este meridional. Era ano particularmente trabalhoso para mim, a ler ou a escrever (com caneta) sentado em maples, raramente à mesa, sozinho no meu quarto de estudante de manhã à noite e pela noite fora ou ensimesmado no refeitório do colégio. De repente, a redoma estilhaçou: chegara a Primavera. As cidades portuguesas onde eu vivera tinham raízes árabes e depois da cabra o árabe é o mais implacável fazedor de desertos do mundo; intramuros, casas brancas apinhavam-se em ruas estreitas – da minha janela à tua vai o salto de uma cobra – fora de portas o baldio começava. Oxford, pelo contrário, mistura constantemente a cidade e o campo, no espaço de cada um e nos espaços de todos. Sem que eu me tivesse dado conta do que estivera a germinar, ao levantar um dia os olhos da leitura, tudo tinha mudado. Havia sol entre os ramos das árvores, entre as árvores e os telhados, nos papéis da minha mesa. As árvores, de todas as quais todas as inglesas e ingleses sabiam os nomes e que eu tratava por igual (franceses e italianos são também de ignorância penosa na matéria) tinham outra vez todas folhas e muitas das que se viam perto das casas davam também flores, brancas, encarnadas, amarelas, azuis. Do ar do dia ao sol nascente milhares de pássaros cantavam, namorando. Na minha rua, velhas que o frio escuro do Inverno guardara em casa, singravam de bicicleta a frescura da manhã, vestidas de algodões mais coloridos do que as flores das árvores - que naquela terra a viuvez não era negra.
Tudo isto já lá vai há mais de meio século. Entretanto Lisboa, Évora e Oxford mudaram como nunca tinham mudado em qualquer meio século anterior. E, mau agoiro, o clima está a pregar-nos cada vez mais partidas. Vou para a semana a Portugal. Dizem-me que vai chover enquanto no Brabante Valão se espera que faça Sol.
My Years in Angola (1950-1970)
Andries Peter van der Graaf
Other posts:
My Years in Angola (1950-1970)
In the '50s, business with Nestlé was developing very well, for which we held the monopoly. At first condensed milk was the main product, then milk powder replaced it, as well as all sorts of baby food. We were not able to remain sole agent, in part as a result of pressure exerted by C.U.F. (Companhia União Fabril) on S.P.L. (Sociedade Produtos Lacteos).
S.P.L. (Sociedade Produtos Lacteos)
For many years it was only possible to import milk products from Portugal (significantly more expensive than Dutch milk powder, for example) as no import licenses were issued for foreign milk. Later on, this situation changed. Only in later years was fresh milk available in the cities, and also sterilized milk, mainly from Cela.
Cela, Angola c. 1960
Cela is a colony for white Portuguese settlers, situated in a highly fertile area of Central Angola, along the Cuvo River, most probably formerly a river bed.
Cela c.1960
A lot of money was squandered in Cela because things were done in a disorganized fashion (land planning took place when work had been on-going for over ten years, thousands of head of cattle were imported from Denmark and which were unable to adapt to the climate, colonists were recruited in Portugal more on the basis of connections than suitability). Still, it was an interesting project, to which we also contributed a good deal. One big client was the colonists' Cooperative, though unfortunately they were always short of cash, and couldn't pay their debts.
Cela c.1960
Cooperation is not a strong point in the Portuguese. They are too individualistic for that, they say so themselves. The only Cooperative with which we had no financial problems was one in which the members were mostly Germans. Here and there in Angola there were some groups of Germans, among them the Mannhardt brothers, for example in Calulu, where they very successfully grew coffee.
A.P. van der Graaf visiting a coffee plantation
Kees, Betty and Joyce with Dutch Padre
Sometimes missionaries came to buy goods from us and I was invited by them to come and have a look at their mission services. These were at Dondi, some 80 miles from Nova Lisboa. It was a Protestant mission, "Congregational", American and Canadian. This was a big mission, providing teaching in a number of subjects including agriculture and other trades, as well as providing medical care, including a leper colony. It covered a large area, many brick buildings in which the various services, hospitals and workshops were housed.
Dondi Mission, Angola
Means School, Dondi, 1950's
What I remember best is the choir singing led by one of the American missionaries. The Bantu have an exceptional sensitivity to sound and rhythm, and the choir master had, I thought, brought them to a high level of performance.
Listen here to Angolan Umbundu music
See here ruins of Dondi mission (Images of Angola - Noel Henderson-James, 2011)
... to be continued...
Andries Pieter van der Graaf
Jan/Feb 1974
Translated by Elizabeth Davies (van der Graaf) 2012
Full text:
The memoir of Andries Pieter van der Graaf is in two parts: Part 1 (written in English) starts in 1909 with his birth, and provides a vivid description of his early life in Krimpen aan de Lek, a small community near Rotterdam; of the effects of the Depression on the family; and of his experiences during the war. In Part 2 (written in Dutch, translation into English provided), he takes us from his first day in Angola, through his years learning how to run a Dutch trading company in Angola in colonial times, to his fascination with Angola and its peoples.
www.asclibrary.nl/docs/341/217/341217840.p
http://www.asclibrary.nl/docs/341220647.h
Album "Vintage Angola" on Flickr
Notes:
Read post # 1: My Years in Angola (1950-1970) here
Many thanks to Elizabeth Davies (van der Graaf) and her family for allowing me to adapt the text and to illustrate it by using photos from the family's collection.
Muito agradeço a Elizabeth Davies e sua família que autorizaram gentilmente a edição do texto para publicação neste blog e disponibilizaram fotografias do espólio do autor.
Images and Photos:
Nestlé: Leite Condensado
S.P.L.: Restos de Colecção
Means School, Dondi: Nancy Henderson-James
Music:
Angolan Umbundu Music: Nancy Henderson-James
Jardim-Escola João de Deus aqui
Óleo de fígado de bacalhau
História de crianças de que me lembro às vezes, quando vem a propósito. Talvez seja o caso agora — ou talvez não — mas se o for, o menino chamar-se-ia Portugal e estaria num infantário chamado “Jardim-Escola Europa do Sul” onde todos eram obrigados a tomar óleo de fígado de bacalhau de manhã. Rabiavam, mordiam a colher, cuspiam, barafustavam, salvo o menino Portugal que engolia o óleo sem caretas nem protestos. Sempre e com tanta compostura que um dia os outros meninos lhe perguntaram porquê.
“Cada colher que tomo, a minha mãe dá-me cinco tostões”.
“E o que é que fazes com os cinco tostões?”
“Junto e quando há dinheiro que chegue a minha mãe compra outra garrafa de óleo de fígado de bacalhau”.
Deixado pelos métodos heroicos de tratamento preconizados pela troika com dívida muito maior do que a que tinha antes de começar a ser tratado, desenha-se no futuro de Portugal outra grande garrafa de óleo de fígado de bacalhau. Para usar imagem de Vaclav Havel, começa a ver-se o túnel ao fundo da luz. E, para usar pergunta de Lenine, o que é que se tem de fazer?
Antes porém de, embalados por metáforas, nos pormos à procura de soluções, é preciso saudar o povo português. Há nele uma capacidade de bom-senso que sacrifica impulsos do presente a benefícios no futuro e se manifesta quando menos se espera. Nos últimos 40 anos aconteceu-nos duas vezes: pouco depois do 25 de Abril, no acolhimento aos retornados das antigas colónias africanas — certamente o feito colectivo mais notával do país depois do das descobertas do século XV — e agora na aceitação estoica dos rigores da austeridade imposta pela Alemanha, condição moralista sine qua non de deitar uma corda que ajudasse a rebocar a nossa jangada. (E saudar também as autoridades portuguesas que aplicaram à população as medidas mais duras de que há memória ou notícia, nem sempre com habilidade política mas convencidas, a meu ver bem, de que, sem elas, os grandes e as instituições internacionais nos teriam deixado afogar).
Para o menino não ter de encetar outra garrafa seria preciso que grande parte da dívida fosse, para efeitos práticos, perdoada. Numa altura em que economistas de diferentes seitas passaram a aplicar os seus intelectos à desigualdade cada vez maior de ricos e pobres em todo o mundo, considerada enorme problema (se bem que, até agora, não haja prova que tal torne sociedades mais agressivas ou conduza a revoluções) é provável que se crie ambiente para isso. Com “O capital no século XXI” do francês Thomas Piketty — grande trabalho de investigação mas fraco guia de acção política, chamou-lhe The Economist — a atravancar imaginações de académicos e de governantes, a visão egoísta e, para além do curto prazo, nociva para todos, da Alemanha de Ângela Merkel perderá o domínio da cena.
Historiadores futuros hão de explicar melhor do que nós porque é que os governantes da União Europeia seguiram cegamente a Alemanha no rumo desastroso da austeridade.
Borama Girls Photo Club, Somalia, 2013
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In March 2013, UNICEF and ARETE STORIES launched a pilot project which trained 400 children along with 10 of their teachers how to use a camera and portray their everyday lives. The children themselves chose the various topics – water, food, friends and family and animals – that they wanted to capture. These photographs depict the rarely glimpsed, everyday lives of Somali children as seen through their own eyes.
Somalia is one of the worst places in the world to be a child. While conditions vary in the regions, the years of conflict, famine, displacement, lack of health facilities or schools have taken their toll on Somalia’s children. More than 200,000 children are still malnourished – mostly in the south – and more than a million children of primary school age are out of school.
Papelaria Progresso, Rua do Ouro, Lisboa.
Arquitectura: Francisco Conceição Silva
Fotografias sem data. Estúdio Mário Novais*
Papelaria Progresso, Rua do Ouro, Lisboa.
Papelaria Progresso, Rua da Vitória, Lisboa, anos 60
Fotografia sem data. Estúdio Mário Novais*
Ao recordar o Liceu Francês, onde cheguei em 1961, vêm-me sempre à memória outros lugares que na Lisboa sombria e provinciana do princípio da década de sessenta, pelos mesmos motivos estéticos e afectivos, me transmitiam um bem estar imediato: a Papelaria Progresso, na Rua do Ouro, e o Café Monumental, na Avenida Fontes Pereira de Melo, onde minha mãe me levava, hoje desaparecidos, eram como o Charles Lepierre, espaços de grande qualidade, novos em folha, cuidadosamente pensados e desenhados para servir. O seu "look" inspirava-me confiança no futuro.
* fotografias gentilmente cedidas por José Inácio Vieira Gagean.
Mais neste blog sobre a Papelaria Progresso aqui e na tag "design"
Sobre o Monumental veja aqui e aqui e neste blog aqui
Sobre Lisboa nessa época leia aqui
esta foto aqui
Lycée Français Charles Lepierre.
Arquitectos: M. Cuminal, N. de Groer.
Fotografia sem data. Estúdio Mário Novais: 1933-1983. aqui
20 Octobre 2012
Animations durant la Journée “Portes Ouvertes”
• un point accueil dans la cour d’honneur du lycée
information sur le projet de création d’une Association des anciens élèves
• des expositions collectives d’arts:
artistique (1er étage du bâtiment principal et salle de danse)
littéraire (2ème étage)
photographique sur l’histoire du lycée (la rotonde)
• des visites guidées, par des élèves actuellement scolarisés
• des animations musicales
• des jeux pour les enfants
• un tournoi de football (Terrain de sports)
• différents points de restauration légère (pizzas, gâteaux, crêpes, café et boissons)
• en vente toute l’après‐midi:
des tickets pour la Boum du soir
le Livre souvenir du 60ème
des objets souvenirs
l’inscription au tournoi de golf du 24 novembre 2012 au Campo Real
les photos du dîner des anciens (2ème étage)
A tradicional Journée Portes Ouvertes do Liceu Francês inclui este ano uma exposição literária, e um encontro com antigos alunos que escreveram livros. Alguns desses antigos-alunos-escritores estarão no próximo Sábado à tarde no liceu para uma troca informal com os visitantes da exposição.
Filipe Jarro, o organizador* deste encontro, tranquilizou-me desde logo na sua gentil carta-convite: "A minha escolha é abrangente (1 ano no liceu ou 15, 1 livro ou 15, 15 prémios ou nenhum, famoso/a ou não...) e todos contam".
Pela minha parte, sinto-me feliz de participar com "Retrovisor" nas comemorações do 60º aniversário do LFCL e feliz também pela oportunidade de revisitar o liceu em clima de festa. As festas do LFCL são de boa memória e o LFCL tem muito para festejar.
Notas:
Vão estar presentes Jean-Yves Mercury - Maria Antónia Palla - Carlos Domingos -Jaime Teixeira Mendes - Leonor Xavier - José Manuel de Morais Anes - Maria Helena Torrado - Filomena Marona Beja - Esther Mucznik - Raúl Mesquita - Lúcia Mucznik - Irene Flunser Pimentel - Isabel Alçada - Vera Futscher Pereira - Pedro Paixão - Clara Pinto Correia - Filipe Jarro - Sofia Marrecas Ferreira - Paulo Miguel Gérault Marrecas Ferreira -Teresa Lopes Vieira
Os livros expostos estarão à venda graças à participação da Nouvelle Librairie Francaise e os que se encontram esgotados estarão expostos em vitrines emprestadas pela Fundação Gulbenkian.
*Hoje poder-se-ia dizer "Curator", que opina o leitor?
Nesse mês de Junho de 1955, Cristina já transitara para o Lycée du Sacré Coeur de Kalina, Léopoldville, hoje Kinshasa, na RDC. Frequentara o Liceu Francês de Lisboa apenas durante o primeiro trimestre do ano escolar, antes da partida para o Congo.
Sobre a minha chegada e o regresso de Cristina ao Lycée Français Charles Lepierre no início da década de sessenta, vindas de uma escola americana, falei no meu livro, e em posts neste blog (aqui e aqui). No entanto, dentro da mesma família cada um vive as coisas à sua maneira e segue o seu próprio destino. Para Cristina, França e a língua francesa seriam muito mais do que um percurso educativo. França tornou-se o país onde viveria metade da sua vida adulta — e muitos dos seus momentos mais felizes — o país onde as suas filhas nasceram, o seu porto de abrigo, como aconteceu a tantos portugueses, em particular os da sua geração. Mesmo depois da experiência marcante dos Estados Unidos, França tornou-se o seu país de eleição. E mais de trinta anos após ter concluído o liceu francês em Lisboa (na parte francesa - baccalauréat d'études secondaires) e partido para Toulouse, estudar economia graças a uma bolsa de estudo francesa, escreveu a Robert Bréchon*, responsável pela atribuição da bolsa em 1965, para lhe exprimir a sua gratidão.
1987
Visita de Estado a Portugal do presidente francês François Mitterrand
Cristina toma notas para em seguida reproduzir o discurso em português**
Os netos de Cristina, nascidos em Portugal, frequentam hoje em França uma escola do ensino público francês. Falam francês um com o outro — como Cristina e eu falávamos inglês nos Estados Unidos*** — o que me anima a pensar que nunca esquecerão a língua, porque adquirida muito cedo na vida, e ligada aos afectos, o que tem bom prognóstico.
Notas:
* Robert Bréchon aqui
** veja álbuns de intérpretes de conferência aqui
*** Mais aqui
História do Liceu aqui
Madrid, 1967
À chegada tínhamos sido recebidos por amigos de São Francisco, um bom augúrio por certo, as coisas começavam bem. A alegria dos espanhóis e a animação de Madrid, em brutal contraste com o ambiente sorumbático de Lisboa, seduziram-me de imediato. E fosse como fosse, em Madrid ser estrangeira deixava de ser um sintoma de desajustamento para se tornar numa realidade concreta, um dado objectivo. O estatuto agradou-me.
O liceu era mais pequeno e acolhedor, e a facilidade com que me integrei na quatrième fez-me compreender melhor, finalmente, o sentido de frequentar o ensino francês. Tornei-me uma aluna calma e razoável.
Viver de novo com os meus pais, na nossa própria casa, apenas com o meu irmão, seis anos mais novo, e duas empregadas, foi solitário e reconfortante ao mesmo tempo. Os meus pais viviam muito absorvidos em si mesmos e nas suas vidas, mas tinham amor e respeito um pelo outro, e por nós também, o que afinal de contas é o principal. Embora nunca mais se pudesse colar tudo o que se tinha partido, os anos que passámos em Espanha seriam de reconstrução.
Imagem: O meu irmão é o quinto a contar da direita, na última fila