Quarta-feira, 26 de Dezembro de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

Karajan - Lipatti

 

 

José Cutileiro

 

Elites

 

Há coisas antigas quanto a espécie humana. Em toda a parte, a guerra (a paz é uma invasão recente) vinda já de primos antepassados próximos - Cromagnon; Neandertal; alguns africanos - e, em quase toda a parte, o arranjo das gentes em mó de cima e mó de baixo, mesmo quando ainda não haja agricultura a separar quem tenha a terra de quem a trabalhe. De vez em quando, os da mó de baixo acham que a sua voz deveria ser mais ouvida do que o é e o bom povo passa de querer mal aos vizinhos – alfacinhas a tripeiros, portugueses a espanhóis, europeus a africanos, matéria prima da história tal como ela é (era ?)  ensinada nos liceus e atitude aprovada por pais da Pátria e por forças vivas  da nação - a querer mal a patrões se for por eles empregada e a ricos em geral se achar que  não pertence ao grupo.

 

A França é o país europeu que se especializou na segunda variedade e, como os vinhos, tem anos piores e anos melhores. 2019 promete, com os coletes amarelos na rua, a bloquear rotundas e pagamentos nas autoestradas e a proclamar urbi et orbi que o mundo é mal feito e que é preciso refazê-lo melhor (propondo muitos o referendo – cidadão, como eles dizem – processo seguro de enrolar o povo e abrir a porta a ditaduras). Quanto à contribuição directa dos coletes amarelos para organização social decente de aldeias, cidades, países e continentes onde porventura tomassem ou influenciassem o poder, pouco sabemos ainda mas, por outro lado, talvez saibamos já tudo. Se um deste dias a leitora se meter à estrada em França e passar por grupos aguerridos de coletes amarelos, se não levar à vista no para-brisas do seu carro um dos ditos coletes e não tocar muitas vezes a buzina fazem-na passar devagar e gritam-lhe insultos. Les gilets jaunes acreditam em « zero-sum games » como se diz agora, isto é, são incapazes de compromisso e, portanto, nocivos à democracia. Dito isto, repito o que já disse aqui muitas vezes: depois do colapso da União Soviética o capitalismo tomou o freio nos dentes (ou, pior ainda, passou a obedecer cegamente às instruções de uma clique que o controla e sabe muito bem o que quer, como dantes nas visões conspirativas dos comunistas mais néscios) de tal maneira que o fosso entre ricos (cada vez menos) e pobres (cada vez mais) continua a cavar-se muito depressa, levando a minha mulher a dias a ter inveja do meu BMW,  em vez de como dantes, na tradição das trente glorieuses, sentir nele uma segurança cobrindo o seu VW.

 

As elites? Escrevo no dia de Natal. Ainda deitado ao fim da manhã, chegaram-me lá a cima, vindos da sala no primeiro andar onde está a música, Lipatti ao piano e Karajan a dirigir a orquestra no andante do concerto para piano n°21 em dó maior de Mozart, no festival de Lucerna de 1950, gravado por auditor que o ouvia na telefonia e ressuscitado por técnicos no CD que eu tenho. Ramalhete de milagres de génio musical e tecnologias contemporâneas trouxe-me  bem-aventurança neste dia sagrado dos cristãos de 2018.

 

 

 

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Quarta-feira, 22 de Agosto de 2018

O Bloco-Notas de José Cutileiro

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Edmund Burke retratado por Joshua Reynolds
via Wikimedia Commons

 

 

 

 

José Cutileiro

 

O primeiro pecado é ser pobre

 

 

Assim declarava o anglo-irlandês Bernard Shaw (1856-1950) e acrescentava: Quando alguém me diz sou inculto mas é porque sou pobre, está a desculpar um mal com outro pior; é como se me dissesse: sou coxo mas é da sífilis. Shaw morreu velho demais para a altura – partira o colo do fémur e respondera a jornalistas à entrada do hospital: se eu escapar desta é porque sou imortal – mas não era e lá ficou. Isto há quase três quartos de século mas, há pouco tempo, tão pouco que lhe escrevi IN MEMORIAM no Expresso, morreu quase tão velho quanto Bernard Shaw mas sem ninguém estranhar isso (hoje, morrer com mais de noventa anos é banal) o francês Claude Lanzmann (1925-2018), autor do filme de dez horas «Shoah», monumento cinematográfico e ariete da condenação do antissemitismo (e único amante de Simone de Beauvoir  autorizado a viver debaixo do mesmo teto que ela), várias décadas antes de morrer declarara: Falhei a vida – J’ai raté ma vie – porque não nasci rico.

 

Sentimentos assim são raramente expressos com essa clareza cirúrgica mas muita gente os alberga, sobretudo em alturas em que o futuro vislumbrado pareça ser menos  agradável do que o presente; em que se pense que os filhos vão ter pior vida do que os pais, como está a acontecer agora na Europa e nos Estados Unidos da América (salvo entre aqueles que os espanhois chamam los ricos-ricos) e não acontecia desde o fim da Segunda Guerra Mundial, décadas em que a gente, de um e do outro lado do Atlântico, até já se esquecera de que tal poderia acontecer. E quando, ao contrário do que se passa agora, cada um sabia ir ganhar mais para o ano, como neste ano ganhara mais do que no ano passado; quando a minha mulher a dias, sabendo que trocaria vantajosamente o seu Toyota em segunda mão, tanto se lhe dava quanto se lhe desse que eu tivesse um ou dois BMWs ou que banqueiros milionários fotografados em revistas a cores coleccionassem Bentleys ou Ferraris. Tout allait pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles.

 

Chão que deu uvas e, entretanto, tudo se complica: sem benevolência cúmplice do pobre para o rico, o fel de tribunos enraivados enche as almas do povo que os aplaude. (Os Burke* têm quase sempre razão mas os participantes quase nunca lha a dão a tempo – L’on immole à l’être abstrait les êtres réels et l’on offre au peuple en masse l’holocauste du peuple en détail observou Benjamin Constant sobre o chamado Terror da Revolução Francesa, ninharia por padrões contemporâneos mas marco de infâmia na história europeia). Tal se passa agora nos Estados Unidos: a energia de Trump assegura preferência e apoio inabaláveis de brancos pobres, que metem medo aos parlamentares do Partido Republicano os quais por isso não se opoem a medidas calamitosas, prometidas em campanha pelo Presidente. Por detrás do espectáculo acumulam-se dolos e prejuízos crescentes – materiais e morais – para os Estados Unidos e riscos de mais incómodos, alguns fatais, para toda a gente.

 

 

*Edmund Burke, Reflections on the Revolution in France, Londres, 1790

 

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Quarta-feira, 24 de Maio de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

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Domingo Ortega

 

 

José Cutileiro

 

 

Hidrogénio ou Hydrogénio?

 

 

 

O Dr. Miranda de Lemos, professor de ciências naturais na Escola Valsassina, muito velhinho aos meus olhos de gaiato, marcava-nos erro em pontos e redacções se escrevêssemos hidrogénio sem ypsilon, como se devia escrever segundo a ortografia oficial da altura, que não era sequer nova em folha. Em 1911, logo a seguir ao derrube da monarquia – o galicismo mais pesado em consequências cometido pelo peito ilustre lusitano a quem Neptuno e Marte obedeceram – e à implantação da primeira República, reforma ortográfica fizera desaparecer do alfabeto que se aprendia na escola o k, o w, e o y. Mas, impecável no jaquetão caseiro de gola de veludo com que vinha dar aulas, cabeleira quase branca e olhos a faiscarem por detrás dos óculos de tartaruga, Miranda de Lemos não ia nisso – resistência de já 33 anos, quando os nossos destinos se cruzaram. Ao fio dos dias fui-me esquecendo dele mas voltou-me de repente à ideia, flamejante, muitos anos depois – e já há muitos anos – em intervalo do Rigoleto, numa frisa de S. Carlos para a qual a Teresa Gouveia convidara Vasco Graça Moura, eu e as mulheres que nos tinham na altura. O acordo ortográfico veio à baila e aí o meu chorado Vasco foi exemplar, dando cabo dele como Domingo Ortega despachava touros sem nobreza, rematando por baixo a lide de muleta – parar, cargar, templar y mandar, ordenava o Maestro – e acabando-os com meia estocada, que não mereciam mais.

 

Na primeira República, no Estado Novo, até na Revolução dos Cravos, as coisas eram assim. Havia mudanças – os três nomes acima davam de resto eles próprios sinais de mudança funda, com um antes e um depois (mesmo que nem sempre, em cada um dos dois lados, estivesse toda a gente de acordo sobre tudo. O poeta Guerra Junqueiro, por exemplo, republicano, autor de A Velhice do Padre Eterno, herói dos anticlericais quase até ao fim da vida, e da Santa Madre Igreja no fim mesmo, quando voltou ao seio dela e quis ser confortado com todos os seus sacramentos, ficou furioso quando se decidiu mudar da bandeira azul e branca da monarquia liberal para a bandeira de hoje. “Encarnado e verde são cores de preto!” tonitruou numa polémica) – mas mudanças levavam décadas e a gente ia-se habituando. Agora as mudanças são tantas em tão pouco tempo, que há quem pense que não se poderá continuar a viver assim, que num mundo em que robots façam tudo por nós, a palavra se arrisque a servir só para falarmos sozinhos. A guerrilha contra esse futuro aterrador já começou. Ontem, médico disse-me que nos dias em que a mulher o manda ao supermercado nunca paga nas caixas automáticas. Prefere esperar em bichas e tratar com as criaturas que restem (duas em doze caixas, no seu supermercado).

 

Combate inglório? Esta semana, nos Estados Unidos, a Ford despediu o seu PDG por a companhia estar a vender menos carros do que a Tesla cujos automóveis são eléctricos – e cujo serviço de investigação está inteiramente virado paras automóveis sem condutor. 

 

 

 

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Quarta-feira, 28 de Dezembro de 2016

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

Institute for Advanced Study

 Institute for Advanced Study, Princeton

 

 

 

 

 

José Cutileiro

 

 

 

Os professores e o pessoal menor 

 

 

 

 

Quando eu nasci, todos os livros escritos para salvar o mundo já tinham sido escritos. Só faltava uma coisa: salvar o mundo. Assim escreveu Almada Negreiros no começo de A Invenção do Dia Claro - ou usou quase as mesmas palavras, que eu estou a citar de memória e a memória é má conselheira. Habituei-me a ela em pequeno por ter muita, tanta que uma vez pensei que, se tivesse nascido pobrezinho e os meus pais não pudessem continuar a mandar-me à escola, encontraria com certeza circo onde poderia ganhar a vida. Enganos da infância: mesmo sem ter tido de passar por essa prova, cedo me dei conta de que a memória, em vez de ajudar o pensamento a exercitar-se, o desimagina da acção e o torna preguiçoso – sendo que a passagem do tempo piora as coisas.

 

Desde o primeiro ano do liceu vivi em Lisboa, onde os clubes de futebol mais importantes eram o Sporting, o Benfica e o Belenenses, aprendendo eu naturalmente de cor as linhas de cada um deles: Azevedo, Cardoso e Manuel Marques; Canário, Barrosa e Veríssimo, etc. por aí fora. No Verão passado, em conversa com amigo inglês que não percebia porque é no coração de um dos bairros residenciais mais caros e exclusivos de Lisboa – o Restelo – estava enxertado um estádio de futebol moderno, com as grandes invasões populares periódicas e as perturbações permanentes de privacidade que tal acarreta, tive de lhe explicar que o bairro era anterior ao estádio mas que as licenças de toda a ordem precisas para poder construir este (não eram tantas quantas seriam agora mas já faziam um pacote) tinham não obstante sido obtidas porque o habitante mais importante do bairro, onde tinha a sua residência privada, se opôs às razões de peso evocadas por todos os seus vizinhos, apoiou do princípio ao fim a pretensão dos Belenenses, clube de que era adepto ferrenho e, sendo também à época Presidente da República, exerceu a sua influência junto da Câmara de Lisboa e de outras entidades relevantes.

 

O meu amigo, sem perceber nada (coitado, não é de cá) perguntou-me se Os Belenenses tinham sido o clube do Estado Novo. Respondi que achava que não porque, mais ou menos por essa época, reformado muito digno sentado ao meu lado num banco de eléctrico lia no jornal do Belenenses artigo intitulado a azul “Amor clubista: sentimento maravilhoso e inexplicável” da autoria de Miguel Urbano Rodrigues, comunista que se exilara e, depois do 25 de Abril, dirigira durante anos o Avante.

 

Entretanto passou-me pela cabeça a linha do Belenenses: faltava o interior direito; só 5 dias depois apareceu. Coisas assim acontecem cada vez mais.

 

Quanto à salvação do mundo. O Instituto de Estudos Avançados em Princeton é um templo de saber e progresso onde cheguei seis dias depois do Nine/Eleven. Passadas duas semanas, carpinteiro da casa perguntou-me como é que se distinguiam os carros deles dos dos professores. “Os professores não colam a bandeira nacional aos vidros”. Por estas e por outras é que Trump ganhou.

 

 

 

 

 

 

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Quarta-feira, 23 de Setembro de 2015

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

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 Doctor Faustus

 

 

 

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De mal a pior

 

 

“Não compre um Junker, que já são feitos cá! Compre um Vaillant”, disse o homem dos electrodomésticos na Lapa há 30 anos porque a fé lisboeta no Made in Germany era inabalável, apesar de duas guerras mundiais perdidas por Berlim, na primeira com Portugal inimigo, na segunda com Portugal neutro – embora, estando a sorte da guerra a virar depois das derrotas alemãs no areal de El-Alamein e na estepe de Estalinegrado, o Dr. Salazar tivesse acedido a deixar instalar a base aérea das Lajes na Ilha Terceira dos Açores por ingleses e americanos. Mesmo assim, sua administração viria a receber com compunção a rendição internacional dos nazis aos aliados. No Palácio das Necessidades, o Secretário-Geral, quando o embaixador alemão se veio despedir, em lugar de, como fizera sempre que por ele fora visitado, vir com ele à porta do gabinete, acompanhou-o pelo corredor até ao cimo da escadaria.

 

Como toda a gente sabe – de médico, de louco e de comentador político todos temos um pouco (vem à ideia André Gide, nos anos vinte, assarapantado com o que via à sua volta, a dizer que em Paris as coisa tinham chegado ao ponto de haver mais artistas do que obras de arte) - durante o século XX, a Alemanha foi o Sempre-em-Pé da Europa. A narrativa –como dizem agora - corre assim. Os alemães quiseram mandar em nós pela força duas vezes, a primeira em 1914 e a segunda em 1939; das duas acabaram por levar no coco depois de tropelias criminosas, inéditas na Europa. As mais conhecidas aconteceram durante a segunda guerra mundial, tendo destaque incomparável com tudo o resto a tentativa de exterminação dos judeus – Holocausto, Shoa, os nomes são vários mas a atrocidade é a mesma – radicada em teorias criminosas e dementes, abraçadas por Hitler e seus sequazes, (mas calando fundo também em almas não-germânicas, sobretudo na Europa de Leste: por exemplo, algumas das matanças mais cruentas foram levadas a cabo na Letónia e na Roménia). Mas a primeira, aquela a que se chamava a Grande Guerra, teve também a sua quota de barbaridades logo desde o princípio: a destruição e incêndio da preciosa biblioteca da Universidade de Louvain, na Bélgica, pelos invasores alemães que nos primeiros dias da guerra se assustaram sem ninguém os ter provocado, deu o tom a muito do que se seguiu. A narrativa costuma além disso lembrar que a Paz de Versailles exagerou no castigo e tornou os alemães mais belicosos. E conta também que, depois de 1945, a Alemanha aprendera a lição e a pouco-e-pouco, sempre a bem, se fora transformando na maior potência europeia. Estava quase desculpada do passado mas a crise grega começara a empurrá-la para a mó (moral) debaixo quando, de surpresa, Angela Merkel abriu as portas aos refugiados. O Bem, afinal, sempre era alemão.

 

E agora o escândalo Volkswagen, o Carro do Povo, Das Auto que, com crime gigantesco e metódico, põe vidas em risco, ludibria administrações e retira autoridade às pregações morais de Berlim. Sempre-em-Pé ou Sísifo?

 

 

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Sexta-feira, 11 de Setembro de 2015

Marrocos, anos 40

 

 

fotografias de João D' Korth

 

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Álbum Vintage Maroc no Flickr

 

 

continua... 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sexta-feira, 26 de Junho de 2015

Rali Senhoras (França, anos 30)

 

 

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fotografias de João D' Korth

 

 

 

 

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Sexta-feira, 12 de Junho de 2015

Rali (França, anos 30)

Fotografias de João D' Korth 

 

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Álbum Vintage France no Flickr

fotografias de João D' Korth (1893-1974) 

 

 

 

 

 

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Sexta-feira, 24 de Abril de 2015

Fotografias de João D'Korth

 

Henrique D’Korth Brandão,  que alguns leitores conhecem do Facebook onde publica regularmente fotografias – as suas e as do seu álbum de família ­– pôs gentilmente à disposição deste blog os álbuns de fotografias de seu tio João D'Korth, que lhe foram recentemente oferecidos. Em futuros posts apresentaremos as fotografias de João D'Korth, começando pelo álbum da Exposição do Mundo Português (1940), a coincidir com as efemérides dos 75 anos do evento e dos 120 anos do nascimento de António Ferro.

 

Pedi a Henrique uma apresentação de João D'Korth:

 

 

 

 

 

João D’Korth (1893-1974)

 

 

 

 

 

João D’Korth (1893-1974) 

 

Meu tio-avô João "Grande" (como me ensinaram a chamar-lhe para o distinguir do tio João "Pequeno", irmão de minha mãe), nasceu em Lisboa ao meio-dia de terça-feira 2 de Maio de 1893 na Rua Larga de São Roque, número 66, 2º andar e foi baptizado aos 25 dias do mesmo mês, na igreja do Santíssimo Sacramento com o nome de João Chrystiano Castagna D'Korth.

 

Sei que o "Tio Faísca" trabalhou décadas na C.R.G.E. [Companhias Reunidas de Gás e Electricidade] quando ainda sediada na rua Vítor Cordon, que esteve em França na Grande Guerra, e aí se interessou por pombos-correios. Também gostava de pesca. No jardim da sua Princesa, havia pombas de leque e carpas brocadas em profusão; rosas de Santa Teresinha e brincos-de-princesa.

 

 

 

D'Korth João fardado 1917 07

 

 

João D'Korth em 1917

 

 

 

Segundo a minha mãe e a minha tia, o tio João tratou a Néné "como uma Princesa". Era a Princesa dele e uso agora a aliança que ele usou, revelando quando aberta o nome dela e a data do casamento: Maria das Dôres, 9-2-1931.

 

Foi a Néné que encadernou livros e albuns de fotografias, preservando a maior parte do espólio de imagens a que tive acesso — a guardadora de imagens que me permitem evocar e aceder a esse mapa da cidade-de-cada-um, feito das ruas-do-onde-morava.

 

 

 

 

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Nené - Maria das Dores D'Korth no seu estúdio de encadernação

em Lisboa na Travessa da Fábrica das Sedas, 23

 

 

 

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 Álbum de fotografias de João D'Korth encadernado e com papel estampado por Néné 

 

 

Foi engenheiro e engenhocas. Os relógios, que coleccionou, pontuaram a vida da casa, do rés-do-chão ao primeiro andar; acertados por ele, disparavam a cada quarto-de-hora em intervalos de segundos para se poder ouvir distintamente o toque de cada um. Eram relógios de caixa-alta, de carrilhão, de mesa, de três movimentos, de parede e, em profusão no estúdio de encadernação da tia Dores, os de cuco.

 

 

A música foi outra das suas paixões: seu pai, meu bisavô João Gregório D'Korth, médico-homeopata, foi um dos fundadores da Academia de Amadores de Música. Tocava violino e os três filhos estudaram todos um instrumento. Piano, violino e violoncelo, em casa, em Paris e em Berlim.

 

 

 

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Da esq. para a dta Maria Henriqueta (1892), João Cristiano (1893) e Arminda Mariana (1894)

Lisboa, fotografia Vidal e Fonseca, c. 1900

 

 

 

As aparelhagens de som foram em várias casas de parentes montadas por ele com requintes de amplificação e pré-amplificação. Gostava de automóveis e de viagens; primeiro, das complicadas, daquelas guiadas horas a fio e com guindastes pelo meio para içar a máquina da estrada para o ferry e do barco para outras margens.

 

 

 

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 Viagem a Marrocos, anos 40

 

 

 

Com o passar dos anos, foram os cruzeiros e a linha "C", "Grande come il mare", com todo o seu rol de nomes de Augusto a Flavia, passando pelo meu: Enrico.

 

 

Só há pouco descobri que aos pombos, peixes, automóveis, abelhas, relógios, navios, e aviões, podia juntar ainda como paixão sua a fotografia. Faceta oculta que me é revelada meio-século volvido: quando julgava não existirem mais fotografias de família para digitalizar, aparecem quatro álbuns que me dão a ver um mundo que se estende para além do país dos afectos.

 

 

 

 

 

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Estádio Nacional, 1944

Toni e Néné, os irmãos António José Brandão e Maria das Dôres Brandão D'Korth

 

 

 

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Exposição do Mundo Português, Lisboa 1940

Nau Portugal aqui

 

Álbum Exposição do Mundo Português no Flickr

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FAMÍLIAS - NOMES

 

Os Castagna vieram de Malta em meados do século XIX, e foram comerciantes com loja de câmbio na Rua dos Capellistas, ou Rua Nova d'El-Rey.

 

Os D'Korth eram médicos que emigraram da Antuérpia para a cidade da Horta e daí para Montevideo, Porto e Lisboa. O tio João Grande era irmão de minha avó [materna] e casou com uma irmã de meu avô [materno]: cunhados, irmãos e vizinhos, numa espécie de imagem de espelho a revelar as duas famílias de que descende minha mãe: os (Carvalho) Brandão, brincalhões e mais down-to-earth, vindos da Mealhada-Anadia para Lisboa onde meu bisavô abriu loja na rua Augusta em 1913. Os de Korth, reservados de aparência e assaz altivos.

 

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Pintura a óleo representando o bisavô João Gregório D'Korth (1853-1925) a tocar violino com o "seu" quarteto; pintado pela minha bisavó, Marianna Castagna D'Korth, em 1900, na casa da Estrada das Laranjeiras a Palhavã. A casa foi demolida para dar lugar á Praça de Espanha e o quadro desapareceu também.

 

 

Henrique D'Korth Brandão

Lisboa 2015

 

 

 

 Álbuns no Flickr:

Exposição do Mundo Português

 França Anos 30

Marrocos Anos 40

 

 

 

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Sexta-feira, 3 de Abril de 2015

My Years in Angola (3)

 
 
My Years in Angola (1950-1970)
Andries Pieter van der Graaf
 
Other posts:
 

 

Besides food (Mozambique tea - chá licungo - , and cashew nuts should also be mentioned), drinks and textiles, there was an assortment of other articles, which pretty well matched the range of articles in the "mercearias" (general stores) in the interior and in the city. These were: storm lanterns, primus stoves, chopping knives, hoes, corrugated panels, plumbing, floor covering, sewing machines, iceboxes, bicycles. In the shop window was a graphic poster of a Raleigh bicycle, with a native on it, chased by a lion. Many Velosolex (motorized bicycles) were also imported, but more in Lobito than to Luanda, where the roads were too steep. In the first years, copper wire, beads and other decorative articles were important. Importing of beads was arranged through Amsterdam from Italy ("missangas"), and from Czechoslovakia ("contas").

 

 

 

 

 

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 poster of a Raleigh bicycle

 

 

Angola is generally a "price market," but Bacalhau is an exception to this rule. Bacalhau (dried cod) the way the Portuguese like it, is Clipfish, dried on rocks (Stockfish is dried hanging on wooden racks). Codfish came mainly from Norway, with occasional shipments from Iceland and Scotland. For dried cod, or "o fiel amigo" (the faithful friend) as the Portuguese call it, quality is the top requirement, since they are so fond of Bacalhau that no feast day may be celebrated without it, e.g., Christmas.

 

 

In the warehouse

 

 In the warehouse

 

What with one thing and another, the months of November and December were always exceptionally busy for anyone who had anything to do with the "armazém" (warehouse). During this period, a great deal of work was done by the native assistants in the warehouse, and when the bonuses were handed out, they were given extra consideration too. There were some very strong men among them, I especially remember "Maximbombo", the native word for "bus", commonly used in Angola. Many of the natives have Portuguese, or Portuguese-derived names, but there are exceptions to this. For example, Van Dunen harks back to the Dutch administrator Van Duinen; Fançoni to Van Zon, etc. One particularly good tribe came from the Bailundo area, who didn't speak Kimbundo, as they do in the North, but Umbundu. As employees, the natives were still very subservient, something which was to change a great deal in the next decade; they also had very few rights, notwithstanding the official policy of equality and assimilation. The economic colour barrier was enormous.

 

 

 

Luanda was still small. Behind the Avenida Brito Godins, where our "residencia" was situated, there were a few residential areas, but otherwise nothing very much yet. There was no Avenida Marginal, just a sandy shore to the bay, and not far from there was the market, where now the Banco Commercial rises up.

 

13 Luanda, no Marginal

 

Luanda bay, before the Avenida Marginal was built

 

4 Luanda, '50s

 

Luanda in the fifties

 

3 A residencia, front garden

 

 

 A residência, front garden. Circa 1952, with Joyce, Kees and Betty

 

1 Causeway to the Ilha

 

 Causeway to the Ilha

 

 

When I arrived in Luanda, the peak demand for foreign imported cotton prints had already passed. Around Sá da Bandeira you didn't see very much textile, for there the native people kept mostly to their traditional dress, a loincloth, some arm rings, beads and buttons. In this cattle-rich area, the women wore leather strips, onto which sawn-through cone shells had been added. These cost about "an ox" each, and from the number of these shells you could calculate the financial status of the native family.

 

Muhuila married women

 

Muhuila married women

 

 

In the surrounding area, Huila, and Cuanhama, there is still a great deal of traditional life to be seen. A trip into the Huila area stands out as the most interesting one in my memory. The native tribes provided the most picturesque spectacle. They were mostly Huilas and Mucubais, tribes that had resisted the trend to wearing European clothes - in contrast to Northern Angola. They kept to their own ways and it was marvellous to see their dark brown shining bodies, embellished by thick copper wire wound around their necks and legs, all sparkling in the sunlight. The women, with finery differing according to age or status, often wore strings of shells, cowrie and others, and beads. On their backs they wore cone shells, sawn in halves. These came all the way from the coast and were very expensive. I was told that one could tell how rich they were by the number of shells they wore. One of them was worth " an ox ". In their necklaces and bracelets, however, there were often small European objects, such as coins and safety pins and other shiny objects.  

 

 

6 "Trip through South and Central Angola", Muhuila women, with cut off cone shells

Muhuila women, with cut off cone shells, Joyce, Kees and Betty by the car

 

A.P. with Mumuhuila

 A.P. with Mumuhuila tribesmen

 

 

 

The travelling salesmen took as many samples with them as possible of everything that we sold. There was a good variety, and therefore our men were always welcomed by the clients. Still, they always had to keep in mind the custom of never being over hasty. The first day had to be seen as the lead up to the real business visit. First, time needed to be patiently spent on "cumprimentar" (greetings) and "conversa" (conversation). The next day was the day for business. Only then were the boxes of samples brought out from under the canvas of the carrinha (pick-up), and opened.

 

Trip to Nova Lisboa, May, 1965

 Trip to Nova Lisboa, 1965

 

The roads were appalling. Heading inland, there was asphalt only as far as Catete (60km), and on the way to Malange, around Zenza, there was a 30 km stretch of very fine sand, all very well for growing cotton, but not quite the right thing for a road. Driving through those 30 km would take a good three hours. But these trips also had a very attractive side as well. Astonishing vegetation: baobabs ("imbondeiro"), and candelabra-euphorbias along the road to Dondo, and further along perhaps coffee plants in bloom. Towards the south, instead, you would see different types of acacia, and then dry savannah.

 

 

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baobab tree

 

The hotels along the way were pretty shabby, but they sometimes made good meals: feijoada (a bean stew), guisado (stewed meat and greens), churrasco (piri-piri chicken). Breakfast was "sem garfo" or "com garfo" (with or without a fork). "With" was with meat, almost a full meal, and "without" was coffee and a couple of rock-hard buns with very salty butter. For the lorry drivers there was still another "matabicho" (matar o bicho = to kill the animal; the official Portuguese word for breakfast is "pequeno almoço"): a strong cup of coffee with brandy upon departure at dawn, followed later in the morning with a "matabicho com garfo." Another delicacy of the "mato" was muamba (palmoil stew).

 

 

to be continued...

 

Andries Pieter van der Graaf Jan/Feb 1974

Translated by Elizabeth Davies (van der Graaf) 2012

 

 

Full text:

The memoir of Andries Pieter van der Graaf is in two parts: Part 1 (written in English) starts in 1909 with his birth, and provides a vivid description of his early life in Krimpen aan de Lek, a small community near Rotterdam; of the effects of the Depression on the family; and of his experiences during the war. In Part 2 (written in Dutch, translation into English provided), he takes us from his first day in Angola, through his years learning how to run a Dutch trading company in Angola in colonial times, to his fascination with Angola and its peoples.

 

www.asclibrary.nl/docs/341/217/341217840.pdf

http://www.asclibrary.nl/docs/341220647.htm

 

Album "Vintage Angola" on Flickr 

 

 

 

Many thanks to Elizabeth Davies (van der Graaf) and her family for allowing me to adapt the text and to illustrate it by using photos from the family's collection.

 

Muito agradeço a Elizabeth Davies e sua família que autorizaram gentilmente a edição do texto para publicação neste blog e disponibilizaram fotografias do espólio do autor.

 

 

 

 

 

publicado por VF às 10:31
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