Quarta-feira, 28 de Agosto de 2019

O Bloco-Notas de José Cutileiro

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Soufflé Grand-Marnier aqui

 

José Cutileiro

 

O bistrot do francês

 

 

Mais exactamente, Le Bistrot Pierre-Marie, na Rua da Torre, acima e do outro lado do cemitério da Guia, encostado a um 5 à Sec, deixou de existir. Durante alguns dias os vidros guardaram o nome embora o lugar estivesse fechado e vazio. Depois, desses vidros foram tirados todos os dizeres. Referências aos prazeres da mesa fora de casa, que se encostavam a referência mal disfarçada aos prazeres do adultério citadino no nome da franchise de limpeza a seco, desapareceram de vez. Assim acabou ali a joie de vivrefrancesa.

 

Por Facebook e outras artimanhas dos nossos dias sabemos que Pierre-Marie pretende voltar a dar-nos prazeres gustativos não mais longe, presumo eu, do que umas cinco léguas em redondo. Mas tais notícias são poucas e vagas; não  noto progresso nelas; não vivo cá todo o ano e cheguei a idade na qual, no dia para que se acorda de manhã, as estatísticas dizem que tanto se pode viver quanto morrer  pelo que o regresso de Pierre-Marie e do seu bistrot é para mim urgente porque a sua falta faz minguar a qualidade de minha vida.

 

É certo que ao longo da costa, para quem, passado Paço d’Arcos, venha de Lisboa pela Marginal  e, de vez em quando, bem para dentro dela, desde os Santos do Estoril até ao Guincho – ou até à Praia Grande para os mais aventureiros – os restaurantes se seguem que sabem grelhar peixe (com distinção muito especial para Lourdes, na Boca do Inferno e Suzette na Adraga) mas o bistrot do francês não tinha nada a ver com isso. Estabelecera-se ao lado de Cascais, a estrada que da Rotunda Pedro Monjardino deitava até à sua porta pouco se afasta do tradicional vôo do corvo e não chegará a cobrir um quilómetro mas ele não  estava ali para grelhar peixe. Sem pretensões, com bons preços e bom senso, criara como um pequeno restaurante parisiense de bairro, onde souflés de queijo – e ultimamente também de Grand Marnier – e outras joias da gastronomia francesa eram feitos para serem comidos por clientela como eu que sabia ao que viera e encontrava o que queria.

 

O bistrot não fechou por Pierre-Marie ter adoecido ou estar cansado ou tal lhe dar na real gana. Fechou porque o contrato de arrendamento (o bail, dizem os franceses) acabara e para o renovar, animado pela explosão teratológica do mercado em Lisboa e arredores, o senhorio pedia tal montante que Pierre Marie, homem de coragem e experiência, habituado a lidar bem com riscos em várias partes do mundo, decidiu não poder aceitá-lo. Assim, a subida escandalosa de preços num sector do mercado imobiliário, provocado sobretudo por oferta francesa inesperada de que tantos portugueses à procura de casa se queixam agora, negou-nos a presença de pequeno restaurante francês que nos trazia presença civilizada única, livre por um lado de exageros regionais e, por outro, de pretensões universais falhadas de guindar a gastronomia ao estatuto de oitava arte. Comia-se como em pequeno restaurante de bairro parisiense, competente e sossegado – e faz falta.

 

 

 

publicado por VF às 09:00
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