Lope de Vega 1562-1635
Writer’s block
Quando se faça ofício de escrever, a vida é como o porco para o talhante: aproveita-se tudo. Mas há dias em que tal não chega e mesmo os mais pimpões às vezes desacertam o passo.
(Contei agora 315 caracteres, compreendendo espaços. A dimensão convencionada destes blocos que envio à Vera para ela depois os ilustrar é de 3.000 caracteres, compreendendo espaços. Já passei pois os 10%; e com mais folga, porque o que vai dentro deste parentesis conta também: pouco mais de 20%).
Que eu saiba, na literatura portuguesa o caso mais explicito destes apuros deve-se a Eça de Queiroz (espero que os mais novos ainda o leiam: ninguém melhor do que ele escreveu prosa portuguesa). Cito de memória, porque há dois anos, com mais de metade dos meus livros em caixas de cartão da Galamas e quase metade dispersa por três moradas diferentes, doei tudo a departamento simpático do estado, com o aliciante de irem para o que fora convento beneditino, com monges beneditinos lá dentro e tudo, por assim dizer ao jeito da agricultura bio. Entretanto, parece que os monges afinal não eram monges e foram mandados à vida mas consta-me que os livros lá continuam. O que é certo é que não os tenho comigo e cito de memória – e em matéria de respeito pelo que os comunistas chamavam verdade objectiva, a memória é pior do que as mulheres. Adiante.
Eça prometera artigo ao director do jornal, para o dia seguinte de manhã, o moço da tipografia, no pátio para o receber, tinha botas que rangiam, e Eça, sem se lembrar de outra coisa, acabara por desancar o Bey de Tunis, velho estimável que ainda por cima parece que acabara de morrer, mas tanto fazia: «Em Tunis há sempre um Bey!» e fora-se a ele. O episódio, se não se estudava em escolas de jornalismo como «o pé da Luizinha Carneiro à Boavista», ficara na conversa de todos os dias. Agora fala-se destas coisas em inglês, como se fala de tudo onde haja progressos técnicos. Writer’s block com explicações várias, da psicologia tradicional às variações psicanalíticas disponíveis, se contadas de viva voz com entusiásticos sotaques norte-americanos, incómodamente seguros de si.
(Contei agora 2.331 caracteres, compreendendo espaços. Estou a aproximar-me do fim, beneficiando ainda deste parêntesis).
Eça contou depois a do Bey de Tunis, se é que não a inventou. No género – não é bem a mesma cosa, mas no género, a melhor para mim é de Lope de Vega: Un soneto me manda hacer Violante/ Qui en mi vida me he visto en tanto aprieto./Catorce versos dicen qui es soneto/Burla, burlando van los tres delante./Yo pensé que no hallara consonante/Y voy a la mitad de otro cuarteto/Mas se me veo en el primer terceto/No hay cosa en los cuartetos que me espante./Por el primer terceto voy entrando/Y me parece que entré con pie derecho/Pues fin con este verso le voy dando./En el segundo estoy y aun sospecho/ Que voy los trece versos acabando. Contad si son catorce y está hecho.Mais uma vez, citei sem livro à mão nem tempo para cotejar no Google.