Quarta-feira, 22 de Maio de 2019

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

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© Getty Images

 

 

José Cutileiro

 

The F words

 

Em inglês, as ‘F words’ são várias, têm significado sexual e, quase sempre em tom de imprecação, soam brutas e violentas. No português de Portugal não se passa nada disso. Alhures, em São Salvador da Baía, Quelimane, Cabinda, Medina do Bué, Príncipe, gueto de Macau, vilas antigas da Malásia, Timor-Leste, ladinos turcos, que sei eu, não faço a menor ideia.

 

No Continente e Ilhas Adjacentes – suponho que ainda se possa dizer assim – as F words são três e caiem como gotas de mel na maioria dos ouvidos que as sintam vibrar ou dos olhos que entendam o seu recorte escrito: Fátima, Fado e Futebol, as três com maiúscula. Era assim quando eu era pequenino, acabado de nascer, e daí até agora nem o sobressalto breve causado pelo golpe militar de 25 de Abril de 1974 – quando os nossos compatriotas fardados para morrer pela Pátria passaram de tropa a forças armadas (porque a verdade, leitora, é que o Estado Novo viveu apoiado no poder militar e caiu quando este se virou contra ele) – lhes fez mossa que durasse. Estou a passar uns dias em Portugal e ouvi relatos emocionados do Marquês de Pombal – e do resto do sul do país em festa quando no fim de semana o Benfica ganhou o campeonato. A leitora que ache que foram festejos demais – ou de menos – lembrarei a inauguração do Estádio Nacional em 1942, estava a Europa em guerra, com um jogo de futebol Portugal-Espanha (que acabara há dois anos a sua própria guerra civil), empatado 2 a 2. Antes do jogo, avionete espalhara milhares de panfletos. De um lado, as equipas com seus lugares marcados no terreno. Do outro, texto político com o título: O QUE NÓS QUEREMOS É FUTEBOL! A Europa estava em guerra aberta mas nós, fora desta graças à sabedoria do governo, vivíamos a nossa vida, trabalhávamos, descansávamos, comíamos e dormíamos sem tais preocupações. Hoje, não já não há guerra na Europa nem sequer fria mas o que parecemos continuar a querer é futebol.

 

O fado triunfa. Dizem-me que do clero, da nobreza e do povo, por um lado, do povo unido, por outro, continuam a surgir vocações. Ao seu público conhecedor junta-se agora outra gente atroando os lugares da noite com férreas sapatorras de turistas. E mesmo que os lusíadas se fartassem dele, lá fora não o esquecem. Desde que me lembre, dos dois único portugueses a quem The Economist dedicou obituários, uma foi Amália Rodrigues. (O outro, Ernesto Melo Antunes).

 

Fátima é mais complicado. Fé é o que não falta por aí mas assaltada por novas igrejas evangélicas, contrabandistas do além, diz indignado católico meu amigo. O Papa Francisco irrita mais os ricos do que convence os pobres. E haverá ainda velhos como Francisco Gião (deu-me o meu primeiro charuto tinha eu 14 anos) que sendo ateu mandava sempre pôr colchas às janelas em dias de procissão e não o fez quando passou a primeira de Nossa Senhora de Fátima. «Em tudo deve haver sempre um bocadinho de respeito» explicou aos filhos «e vistas bem as coisas essa Senhora é muito mais nova do que eu».

 

 

 

 

 

publicado por VF às 09:00
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