E agora José ?
George Orwell lembrou algures que as pessoas às vezes precisam de mal, querem o mal. Parece estar a acontecer agora.
Depois de sinais em sentido contrário – vitória aliada na guerra de 1939–1945, descolonizações, colapso eutanásico da União Soviética em 1991 – e a seguir a, de Nova Iorque a Pequim, em todas as praças financeiras, capitalistas cheios de sangue na guelra se entusiasmarem tanto com o fim do comunismo que tomaram o freio nos dentes e perderam a vergonha, começaram a brotar expressões do mal consequente, escondido e insuspeitado até então como alguns cancros a que especialistas chamam neoplasias profundas. De entrada de bom modo – ‘não’ nos referendos holandês e francês de 2005 sobre ‘mais Europa’: os povos afinal queriam menos – e ultimamente com acinte: a tragédia do Brexit; a delinquência de Trump; proto-fascismos no Leste da Europa; Bolsonaro e o seu governo-circo. (Cito Carlos Drummond de Andrade no título da nota para lembrar à leitora a existência de brasileiros com coração e cabeça nos lugares certos - apesar de tantos milhões de votos dados a uma espécie de General Tapioca em pior e quase tantos outros milhões dados a cleptocratas convencidos de que ser de esquerda lhes lava os pecados. Se eu fosse brasileiro, teria feito como Fernando Henrique Cardoso e ficado em casa no dia do voto).
O comunismo - nunca é demais repeti-lo - não é doença extinta, foi remédio que falhou, que antes disso enchera milhões de pessoas de esperança nas cinco partes do Mundo mas continuara a ser usado cegamente nalgumas delas depois de se saber que fazia pior do que a doença. Lavrada a certidão de óbito, porém, com urgências e enfermarias fechadas, o fosso entre ricos e pobres cavou-se tanto – entre poucos ricos, cada vez mais ricos, e muitos pobres, cada vez mais pobres – que se não se encontrar rapidamente maneira de começar a colmatar essa brecha, as pessoas vão ficar ainda mais zangadas umas com as outras do que o que já estão, agarrando-se desesperadamente a crenças que desvirtuam (patriotismo é amor aos seus; nacionalismo é ódio aos outros – assim Roman Gary expôs lapidarmente o engano) e seguindo demagogos que, no poder, farão ainda muito mais mal (exemplos recentes são Hitler e Mussolini; exemplo actual é a administração Trump na protecção do ambiente).
Portugal tem escapado ao pior do turbilhão, confirmando bom senso colectivo revelado em sucessivas eleições nacionais desde Abril de 1976. Todavia, todo cuidado é pouco, a começar pelos muitos esforços deliberados de baralhar verdade e erros que de Washington a Moscovo se utilizam hoje para manter ou ganhar poder. Esforços que passam muitas vezes a ser recebidos com um encolher de ombros, como se a legitimação da aldrabice fosse factual e moralmente aceitável. Não o é e convém lembrar que em cirurgia torácica, por exemplo, ou construção de pontes, chegaria a resultados catastróficos e à comissão de crimes.
Em política também mas leva mais tempo a explicar.