pain au chocolat
Nova Iorque dos Pobres e Espírito de Contradição
I
Há muitos anos chamei a Bruxelas a Nova Iorque dos pobres e dá sempre gosto ao inventor verificar que a coisa inventada existe. (Tem riscos, como tudo quanto seja levado ao excesso; Camões lembrou-o cruelmente: Torna-se o amador na coisa amada/Por virtude de muito imaginar).
Hoje, em minúscula clínica dessas que há agora onde a gente se sente muito melhor do que num hospital, de tal maneira que os anestesistas para nos porem a dormir precisam só da quarta parte do líquido que nos injectam nos ditos hospitais, fizeram-me pequena intervenção. O cirurgião era grego, a anestesista polaca, a enfermeira uruguaia, eu português (a minha mulher, cujo telefone lhes dei, é francesa). Belga, só talvez a recepcionista que, nos cinco minutos que passei na sala espera, desembaraçava-se em francês e no holandês que se fala aqui – 60% no país,12% em Bruxelas. Na meia hora de chá preto e pain au chocolat que passei entre acordar e ir-me embora, a conversa terá sido mais variada e divertida do que teria sido na Mãe Pátria sobre mexeriquices de colegas, amigos, parentes e os altos e baixos do Desporto Rei. À uruguaia lembrei embaixador reformado inglês encontrado em Londres na casa de amigos ingleses, há mais de meio século, que em Montevideo fora raptado pelos «Tupamaros», terroristas urbanos, todos de boas famílias e educadíssimos que o trataram sempres bem e foi libertado incólume, aprendendo, todavia uma lição: nunca acreditar em quem prometa paraíso futuro onde só se possa chegar através de inferno intermédio (foi a enfermeira que me lembrou o nome dos guerrilheiros). A anestesista, que tem vergonha do actual governo polaco, fez-me pensar em Geremek, o grande medievalista e ministro dos negócios estrangeiros polaco da Solidarnosc, a contar-me, em Varsóvia, cena entre Walesa e Ieltsin,os dois bêbados, com o russo a garantir ao polaco que deixava a Polónia juntar-se à OTAN enquanto os seus colaboradores lhe repetiam que não podia ser, e o electricista de Gdansk perguntava, do outro lado: «Quem é que manda na Rússia ? És tu ou são eles ?». E ao cirurgião, que trouxera ele mesmo o pain au chocolat e me explicara não haver razões para preocupação, disse que ele conseguira criar, no coração de Bruxelas, uma espécie de Atenas sem corrupção. (Grego nosso conhecido impressionara-nos há dias com a aventura de conseguir internar e tratar bem a sua velha e lúcida mãe num hospital privado de Antenas: só mediante gorjetas e subornos tais que me indignaram, e eu sou d’Évora, não de Oslo nem de Helsinquia. No Peloponeso, assim se vive e se acha natural viver. Viva a Nova Iorque dos pobres!
II
John Bolton, como Conselheiro Nacional de Segurança de Trump, poderá ser benéfico. Um defeito de Trump é o espírito de contradição e desconfia tanto dos conselheiros que talvez agora, para mostrar que não depende de Bolton, passe a usar de bom senso. (Estariam ambos melhor em Rilhafolhes mas não se pode ter tudo…)