Expulsion from number 8 Eden Close
Grayson Perry, 2012
A vida do porco
A vida do porco não é tão má como se julga nem enquanto o animal, ainda vivo, pasta bolota no montado nem, depois de morto, na fase de enchido: o que rala é a transição.
Sentença de Cirilo Volkmar Machado, autor de dicionário de pintores e escultores portugueses e 1º Visconde de Santo Tirso, citada em conversa pelo Professor Francisco Vieira de Almeida, filósofo, monárquico oposicionista a Salazar, espírito luminoso que tive a sorte de conhecer.
A Europa está em transição e tal como os suínos os europeus não percebem bem o que lhes está a acontecer nem onde irão parar – mas ao contrário dos suínos andam raladíssimos com isso. Não sirvas a quem serviu, não peças a quem pediu, recomendava-se em tempos de capilaridade social tão escassa que permitia tais preferências. A caldeirada de classes e nações em que nos fomos metendo não dá para ser niquento: mendigos não escolhem, diz-se em inglês. Claro que mendigos não somos mas deixámos de ser donos do mundo – já não o éramos há quase 100 anos embora sábios nossos gostassem de julgar que havíamos passado a ser os gregos dos novos romanos mas mesmo essa ilusão se perdeu desde que a União Soviética se desfez e os Estados Unidos precisam menos da Europa.
Tudo está a mudar, com pressa inédita. A globalização tem efeitos ruinosos em partes das economias europeias; ao mesmo tempo que levanta milhões do chão da pobreza noutros continentes. Segundo medições que se fazem agora – toscas, mas é o que há – encontra-se muito mais gente no mundo convencida de ser mais feliz hoje do que era há cinco anos do que do contrário (esta última, sobretudo na Europa). A automatização – incluindo robots cada vez mais parecidos connosco e progresso em inteligência artificial – abre outras brechas nas maneiras de investir e trabalhar de há um século para cá. Nova divisão de tarefas entre sexos e idades afecta toda a gente, em diferentes graus mas no mesmo sentido. A digitalização está a virar de pernas para o ar produção e comércio. O conselheiro principal de tecnologia da Casa Branca, mulher vinda do MIT e de Google, indigna-se quando ouve adultos altamente instruídos dizerem diante de crianças que são nulos em ciência e em matemática: “Isso tem de mudar. Nunca tal diríamos sobre ler e escrever”. Que as ciências estavam a ganhar terreno às humanidades no olear das máquinas de poder do mundo já se sabia antes de Silicone Valley. “Ó tia, o que são engenheiros?” perguntou a miúda. “São doutores, filha”, respondeu a varina. Ouvidas na Madragoa, há 50 anos.
Meio milénio a mandar no mundo, com Vasco da Gama e Gutenberg entre as figuras de proa, criaram hábitos de mó de cima custosos de perder mas sofrer faz parte da vida – e há muito pior.
Acabo onde comecei, lembrando Vieira de Almeida. Numa visita ao santuário de Lourdes, diante de multidão de inválidos e milhares de ex-votos deixados por peregrinos, ocorrera-lhe de repente que tudo aquilo era apenas uma pequena gota no mar imenso da dor humana.
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