Tenho horror a escrever histórias sobre a minha família! A minha preocupação principal quando escrevi sobre ela foi não ofender ninguém e confirmar com o máximo de pessoas, sobretudo com os meus tios, o meu pai e os que naquela altura representavam a família. Escrever sobre a família é muito perigoso. Eu não sei se não tenho um primo que anda aí a dizer que é conde. Nada nos livra disso, percebe? O meu critério foi saber se as pessoas que representavam a minha família estavam de acordo que eu dissesse estas coisas. Acho que ir além disso não é permissível.
Qualquer pessoa tem direito à discrição. Quando os meus pais morreram, eu e a minha irmã tivemos dois critérios: separar a correspondência de pessoas com importância na vida política e cultural e ver se essas cartas tinham recordações pessoais. E não lemos as outras, porque não acho que tenha, em nome da história, de ir ler a correspondência pessoal dos meus pais. Eles guardaram aquilo, não sei porquê, mas não tínhamos o direito de investigar a vida pessoal deles.
Umas memórias precisam de um tom e de uma sustentação e, principalmente, de uma ideia claríssima sobre o que é que se vai dizer, o que é que se pode dizer e o que é que não se pode. Eu tendo a achar que se pode dizer muito pouco porque as pessoas não podem ser íntimas e amigas do A, B e C e depois contar coisas sobre eles! Aos meus amigos digo muitas coisas presumindo confiança e ficaria multo espantado se a violassem. Portanto, as memórias têm de ter objectivos muito bem definidos, que devem ser redefinidos a cada episódio.
Vasco Pulido Valente
em entrevista ao “Diário de Notícias”, 24 de Maio de 2009