Quarta-feira, 13 de Setembro de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

Schubert

 Franz Schubert, aguarela de Wilhelm August Rieder, 1825.

 

 

 

José Cutileiro

 

 

O quinteto em dó maior, D 956, de Schubert

 

 

 

O mano Jorge, que morreu com dez anos e tinha menos nove do que eu, era o único dos três filhos com jeito para música. O piano que fora da Mãe veio de Évora para nossa casa em Lisboa e a Professora Mariana que dera lições ao Babalhú, à Luzinha e à Nucha, filhos de João Cid dos Santos e de sua mulher Nazaré Vilhena, amigos lá de casa – o Pai era padrinho da Nucha – começou a dar lições ao Jorge quando ele tinha seis anos.

 

O Pai cantara em novo cantigas alentejanas (lembro-me da confusão que me fizera ouvi-lo nos Olhos da Marianita em casa do avô quando eu sabia estar ele em Lisboa: era um disco gravado quando era estudante e posto na telefonia naquela manhã pelo Radio Clube Português ou a Emissora Nacional) mas quer o João quer eu pouco ou nada herdámos dessa inclinação; o João, nada mesmo: se fosse inglês poderia dizer como Winston Churchill que só conhecia duas músicas – uma era o God Save the King e a outra não era; eu saíra um bocadinho menos duro de orelha, distinguindo alguns compositores de outros e sentindo preferências fortes por alguns deles.

 

Nunca saberemos o que o Jorge teria dado. Na geração seguinte, a inclinação reapareceu. O meu filho toca há muitos anos em dois grupos pop holandeses que têm conhecido algum sucesso em Groningen e outras cidades do Norte dos Países Baixos. E o meu sobrinho Tiago, que agora vive em Berlim, é compositor, inter alia, de uma ópera, de música orquestral e de música de câmara, tendo também sido professor de composição. Para entender melhor estes saltos de gerações é útil saber que não são à toa. Existe toda uma ciência destas coisas a partir das experiências de um monge agostinho de Brno, hoje na República Checa, chamado Mendel que, passou oito anos a cruzar ervilhas de cheiro e descobriu as leis segundo as quais, em cada espécie, os caracteres hereditários passam de geração em geração, fazendo comunicação científica em que explicou tudo isso, incluindo a existência de pares do que hoje chamamos genes, em 1865. Ficou esquecido meio século, depois inspirou investigações que ainda hoje continuam: é um gigante da biologia, ombreando com Darwin. Ver-se-á o que darão o meu neto e os netos (e o bisneto) do mano João.

 

Tudo isto porque na telefonia do carro ouvi hoje mais uma vez o quinteto em dó maior de Schubert D 956 quase todo, tocado não sei por quem. De há um século para cá ouve-se música que nos chega assim, por acaso ou de propósito, em discos e em maneiras mais modernas ainda de a reproduzir sem ter de haver músicos a tocá-la diante de nós ou nessa altura. Ouvi-o pela primeira vez em casa do Ruy Cinatti e, na minha ignorância musical, tocou-me muito e veio-me à cabeça linha de Eliot “ an infinitely gentle, infinitely suffering thing”. Volta sempre que o oiço (a última vez o ano passado, ao vivo). Quando estou em sala, dá-me para achar que não devia haver discos. Depois caio em mim: sem discos, teria ouvido muito pouca música, quase toda má.

 

 

 

 

 

 

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Quarta-feira, 30 de Agosto de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

 

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José Cutileiro

 

 

 

Futuro? Passado?

 

 

 

O meu amigo mais erudito – haverá eruditos ainda mais eruditos do que ele mas não são meus amigos – contou-me de filósofo grego pré-socrático, cujo nome esqueceu, para quem a invenção da escrita estava a enfraquecer cabeças que assim já não se exercitavam a aprender coisas de cor. Passados milénios de escrita, porém, o saber de cor perdeu a utilidade e o prestígio que tinha, salvo no teatro e no circo – há mais de meio século, estudante da Faculdade de Medicina de Lisboa perguntou a outro se estudava Medicina Legal “compreendendo ou empinando” o que, em vez de sugerir versatilidade no espírito do perguntador, confirmou a sua fama de burro. O facto mesmo do meu amigo erudito se lembrar do pensamento mas não do nome do pensador ilustra convicção que fui ganhando ao longo dos anos: quem nasce sem memória acaba a perceber muito melhor as coisas do que quem nasça com ela. Os memoriosos como eu empinam sem dar por isso muitos bocados do mundo e, mais tarde ou mais cedo, a brincadeira sai-nos cara.

 

A conversa sobre o filósofo pré-socrático aconteceu no dia seguinte a jantar com outros amigos, tripeiros que trouxeram com eles pimpolho adorável, quase com dois anos, cujo conhecimento da língua falada cresce como um bambu e sobressalta de vez em quando ouvidos sulistas, elitistas e liberais com esboços de palavras que, ao descerem (ou subirem? Que ordenaria, em casos de Norte contra Sul, a correcção política?) das margens do Douro até às margens do Tejo, se transformam em palavrões - para hilaridade mais ou menos furtiva dos circunstantes, só parando o índex de palrar quando, antes de se sentarem à mesa, os pais lhe metem um iPhone nas mãos. Aí, embevecido, cala-se e ao agradável junta o útil: vai aprendendo inglês e a usar a maquineta com mais destreza do que os pais. Perante miúdos com a habilidade dele, sinto-me eu analfabeto. Gutenberg estragara o conforto estético recatado de homens como o banqueiro Cosimo de Medici, anafado na sua bolha de incunábulos, vistos só por ele e por quem ele consentisse, caligrafados um a um por monges silenciosos, distribuídos a alguns clérigos, alguns fidalgos e alguns banqueiros. Remanso que Gutenberg destruiu - e a desordem não acabou aí. Depois de pregar as suas teses na porta da igreja, Lutero fê-las imprimir. Séculos mais tarde, Máximo Gorki em rapaz novo lia Pushkin a dezenas de operários analfabetos numa grande padaria (antes do bom Tio José ter posto os amanhãs a cantar, a Rússia não morria de fome: era um enorme celeiro e exportava trigo). Mas papel tipografado, que fez o mundo dar voltas, está a passar de moda: na administração da Estónia, paraíso do numérico que este semestre preside à União Europeia, praticamente já não se usa.

 

Quando o filho dos meus amigos for da idade do meu, muitas coisas e maneiras de as fazer que haviam um dia sido parte do futuro pertencerão ao passado. Dantes não era assim, a gente ainda estranha, e o pimpolho em crescido já nem dará por isso.

 

 

 

 

 

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Quarta-feira, 26 de Julho de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

hortensias 2

 

 

José Cutileiro

 

 

Hortênsias dos Açores – à falta de um Bey em Tunis

 

 

 

Todas as terças feiras, há mais do que três anos, eu começo a manhã com uma aposta contra mim próprio: quero ter o bloco-notas pronto ao fim do dia para o mandar à Vera a tempo de ela poder encontrar boneco que o ilustre e poder despachar os dois juntos para o éter – éter onde depois a leitora os irá buscar, já capturados pela máquina moderna, de bolso ou de mesa, que a leitora, segundo a hora e o lugar, prefira pôr ao seu serviço. Entre bens e males de mundo, bens e males da Pátria e bens e males de mim próprio, em teoria a escolha à minha frente é vasta mas – lembrando Hyppolite, qui regardait le ciel par le trou de la serrure e, quando lhe explicaram que podia olhar para o céu de outra maneira, respondeu vous appelez ça l’azur, ce grand ciel bleu? Mon azur à moi est plus compliqué!, ou pelo menos assim me lembro do poeta belga Géo Norge – mas, dizia, o momento de começar, como o de Husain Bolt a sair dos tacos, às vezes precisa de concentração que o ar desse dia não me dá. Estava eu hoje por bandas assim quando abri e-mail da Vera a perguntar-me se eu queria que ela aprovasse um comentário. No Assunto vinha: comentário de “desconhecido” no blog.

 

Não era um desconhecido; era uma conhecida que começava: José continuas a não te lembrar de mim na nossa infância… Vou dizer à Vera para aprovar o comentário de maneira que eu não precise de o transcrever aqui na íntegra. Em resumo, a minha amiga na infância lembra-se de coisas de que eu não me lembro e eu lembro-me de coisas de que ela não se lembra. Julguei, mal, que ela tinha vindo uma tarde de visita com a mãe à quinta onde nós vivíamos na Ilha Terceira. (Nessa altura era costume senhoras, cujas vidas eram em casa, fazerem visitas umas às outras). Afinal tinham lá passado as duas cinco semanas, vindas do Faial. Dou a mão à palmatória (depois de décadas de pedagogia branda, as novas gerações usarão ainda esta figura de retórica?). E a minha amiga julga, acho que também mal, que eu a retratava em figurinhas que amassava em terra e depressa se desfaziam ou se quebravam. Por mim, julgo que haverá de ter sido o mano João. É certo que em menino – tive a sorte de ser um dos filhos dos homens que foram meninos – também pus a mão na massa. Cópia do Desterrado de Soares dos Reis em plasticina com meio palmo de altura foi fotografada por Mário Novais e elogiada por Diogo de Macedo, crítico de arte abalizado, já estávamos de volta ao Continente. Mas, quanto a feitos de escultura, fiquei-me por aí, donde infiro que a minha amiga deve ter trocado os manos na memória dela – tanto mais que conta no comentário que eu (isto é, o João) já crescido esculpi algumas Teresinhas e até lhe dei (o João deu) uma delas.

 

Não sei do retrato dela com hortênsias que havia em casa da mãe e pedi à Vera que encontrasse fotografia de muitas hortênsias açorianas para ilustração desta página de bloco. Entretanto perdi a aposta comigo próprio: já é quarta-feira.

 

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Quarta-feira, 14 de Junho de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

saint-John Perse

 Saint-John Perse

José Cutileiro

 

 

  

Ir ver o Sr. Terry

 

 

 

Há cinco anos, depois de eu me esquecer às vezes de coisas de que costumava lembrar-me sempre, minha mulher sugeriu que eu deveria ir consultar um técnico, especialista que me examinasse e pudesse verificar se eu mostrava sintomas de Alzheimer.

 

“Pagar e morrer, o mais tarde que possa ser!” afirmava, didático, milionário meu conhecido que, a meio da assinatura de um cheque, depois da caneta ter já traçado parte do gatafunho, parava uma fracção de segundo, como se a mão lhe doesse, antes de rematar diminuição irrevogável de liquidez. Por razões longas de enumerar, assisti há muitos anos a sessão em que guarda-livros lhe ia pondo cheques em frente para assinar, cada um deles sobre páginas que justificavam o dispêndio, e foi preciso sempre vencer a hesitação final.

 

Eu sou assim com médicos, sobretudo médicos que não conheça, e vou adiando o mais que possa. Depois habituo-me, mas mesmo os raros por quem ganho devoção – sem ela, consultas não servem de nada – visito espaçadamente. (Em parte, porque tenho a impressão de estar a tirar-lhes tempo com o meu moi haïssable).

 

Procurei ganhar tempo, como funcionário público sorna, mas sem perder de vista que o propósito da busca era encontrar o melhor especialista, cinco léguas em redondo. O meu endireita – na tabuleta diz osteopata e tem, a seguir ao nome, iniciais equivalentes, na arte dele, a óptima região de origem controlada – formou-se e trabalhou anos num centro reputado de neurologia, de maneira que comecei por lhe perguntar a ele. Comecei e acabei. Deu-me o nome e as coordenadas do especialista que deveria ir consultar.

 

Não era médico, tendo só direito a Senhor, e tinha agenda carregada mas, devido, segundo a secretária, a desistência, recebeu-me mês e meio depois do meu primeiro telefonema. O exame passava-se em duas sessões de duas horas, em dias diferentes. Acabado o primeiro dia perguntei-lhe o que achava. “Digo-lhe no fim” respondeu.

 

“O Senhor Terry é casado?”

“Sou, porquê?”

“O que é que eu digo à minha mulher?”

“Que não esteja preocupada” respondeu o especialista e sorriu, cúmplice.

 

Estou agora noutra de esquecimentos e a minha mulher acha que devo ir ver o Sr. Terry outra vez. Eu acho que não vale a pena porque continuo a saber de cor grosas de versos. “Tudo coisas que aprendeu quando era novo”. É verdade, mas fixei outro dia um poema de Saint-John Perse. Aqui vai, também para a leitora.

 

 

J'honore les vivants, j'ai face parmi vous.

Et l'un parle à ma droite dans le bruit de son âme

et l'autre monte les vaisseaux,

le Cavalier s'appuie de sa lance pour boire.

(Tirez à l'ombre, sur son seuil, la chaise peinte du vieillard.)

 

 

J’honore les vivants, j’ai grâce parmis vous.                                                                        

Dites aux femmes qu’elles nourrissent                                                                                      

qu’elles nourrissent sur la terre ce filet mince de fumée…                                                      

Et l’homme marche dans les songes et s’achemine vers la mer                                            

et la fumée s’élève au bout des promontoires.

 

 

J’honore les vivants, j’ai hâte parmis vous.                                                                        

Chiens ho! mes chiens, nous vous sifflons…                                                                            

Et la maison chargée d’honneurs, et l’année jaune entre les feuilles                                  

sont peu de chose au coeur de l’homme s’il y songe:                                                      

tous les chemins du monde nous mangent dans la main.

 

 

 

“My name is Zheimer, Al Zheimer” diz sempre o mano João quando se fala destas coisas. 

 

 

 

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        

 

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Domingo, 18 de Dezembro de 2016

brinquedos portugueses

 

 

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Em tempos, quando o Menino Jesus, ou tu, faziam anos, a família e os amigos da casa ofereciam-te objectos desconcertantes e inúteis, chamados brinquedos. Tu, está claro, ficavas muito contente com os presentes, por virem embrulhados em papéis vistosos, por constituírem uma novidade, aliás provisória (lamentável defeito da novidade!) mas principalmente por ser costume ficarmos contentes quando alguém nos oferece qualquer coisa. Na verdade, ou seja, no dia seguinte (a verdade só é completa no dia seguinte), verificavas que os tais brinquedos não correspondiam às tuas secretas ambições. Ah! O dia seguinte do brinquedo! Como é rápida a decadência do brinquedo, uma vez arrancado ao arranjo da montra da loja, onde brilhou, rodeado por outros brinquedos, valorizado por luzes hipócritas! Os brinquedos deviam ficar eternamente na suas caixas bonitas, ou penduradas nos tectos dos estabelecimentos para serem apontados pelos dedos indicadores dos meninos. É raro um brinquedo corresponder à imaginação da criança que o recebe. Deves lembrar-te de que, por volta dos teus seis anos, não achavas graça nenhuma a um boneco, por mais bonito que ele fosse. Eu, pelo menos, não achava. O que eu queria era um martelo verdadeiro para pregar pregos verdadeiros onde me apetecesse. A lei natural dos contrastes convida as crianças a desejarem ser adultas. Por exemplo: um cavalo vivo, com arreios de “cow-boy”, é artigo muito querido de todos os meninos. Pistolas autênticas, das que dão tiros homicidas, bicicletas de duas rodas, serrotes, etc., são objectos apreciadíssimos pela infância, que também aceita, resignadamente, as respectivas imitações, de lata, de três rodas, e sem dentes.

 

 

 

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Tenho um amigo um bocado parecido comigo nestes assuntos de educação infantil. Tem dois filhos a quem tudo permite e a quem gostaria de realizar todos os sonhos. Há tempo, um dos pequenos pediu-lhe um serrote com dentes afiados, e o pai fez-lhe a vontade. O serrote marcou época em casa do meu amigo. Vários móveis de estimação foram serrados pelo garoto que, trocadilho aparte, tem «bicho carpinteiro». O pai do serrador desgostou-se com a proeza do filho e julgo que lhe tirou o serrote. Mas teve desgosto quando lhe tirou o serrote. Disse-me, confidencialmente, que nunca mais o seu querido filho teria um brinquedo que lhe desse satisfação comparável à daquele serrote verdadeiro. «Resta saber — concluiu — se é melhor evitar a perda de móveis insubstituíveis ou a perda duma partícula da alegria de viver do meu filho». Mas, repito, não ê possível apertar em tão poucas linhas a extensa filosofia do brinquedo.

 

 

 

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[...] As crianças portuguesas já trazem de longe, quando nascem, uma indisciplina, uma desordem que não lhes consente manusear dinamite sem perigo de explosões. Logo, não as podemos presentear, aos dez anos, como acontece aos meninos alemães, com espingardas de tiro rápido, nem com cavalos de carne e osso, como é uso conceder às crianças inglesas. Sejamos prudentes com os nossos filhos, deliciosamente meridionais, imaginativos e bravos! Fabriquemos, para eles, alguns brinquedos mansos e já consagrados, mas tanto quanto possível aportuguesados.

 

 Olavo d’Eça Leal

in Revista Panorama, número 12, ano 2º, 1942

 

 

 

 

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Olavo d’Eça Leal (1908-1976) pertenceu à geração de intelectuais e artistas portugueses que colaboraram na revista Contemporânea e no Salão dos Independentes. Escritor e célebre radialista da Emissora Nacional, a sua obra inclui o teatro, a poesia, as artes plásticas, a ficção e a literatura infantil. Escreveu e produziu dezenas de peças para a rádio e televisão, foi jornalista, ilustrador, e coleccionador ecléctico.

 

Em 1939 publica um livro para crianças, Iratan e Iracema, os Meninos mais Malcriados do Mundo, com ilustrações de Paulo Ferreira, que recebe o prémio Maria Amália Vaz de Carvalho. Esta história ao jeito de folhetim radiofónico infantil foi lida pelo autor aos microfones da Emissora Nacional no programa "Meia Hora de Recreio" em trinta e oito fragmentos. Em 1943 é editada a sua História de Portugal para os Meninos Preguiçosos (1943) ilustrada por Manuel Lapa.

 

Desenhos, pinturas, livros e objectos de Olavo d’Eça Leal reunidos ao longo dos últimos quarenta anos pelo seu filho Tomaz encontram-se expostos na Casa da Pinheira [The House of the She-Pine Tree] - Casa-Museu e Guest House situada numa antiga quinta do século XIX próximo da aldeia do Sabugo.

 

 

 

 

 

Agradecimentos: Tomaz d’Eça Leal, Casa da Pinheira , Hemeroteca DigitalAlmanak Silva, Restos de Colecção, JuvenilbaseWikipedia

    

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Sábado, 1 de Outubro de 2016

dicionário pessoal: insónia

 

 

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insónia
in.só.ni.a
nome feminino
(do latim insomnia)

 


Estado de privação do sono, também designado por espertina, pleno de inquietações fantasiosas (ou de fantasias inquietantes), acalentadas por lúcidos, embora lúgubres, fantasmas nocturnos, que o dia expulsou e se refugiaram na penumbra. Recanto da memória onde se guarda a banheira de Arquimedes. Para o insone, a noite torna-se crua, redonda, não literária, sem princípio nem fim, só noite.

 

 

 

 

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Segunda-feira, 15 de Agosto de 2016

Wartime Lies

 

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… upon rereading my book, it is clearer to me than ever, that it is quintessentially a work of fiction and not an autobiography or memoir, and that I had to write the story of Maciek and Tania in the form of a novel. The form was no less necessary than the emotional distance from the events I was going to evoke conferred by exile and the passage of time.

 

Perhaps I should briefly explain what I mean when I refer to the form of the novel. I understand the convention of the realist novel — a tradition in which I place myself — to require the novelist to write avowedly invented stories that so engage the reader's interest and sympathy that, while the spell lasts, he believes they are true or, at least, suspends disbelief. Novelistic invention does not, of course, preclude use of the novelist's own experiences and observations — of himself and others — in addition to material whose connection to his actual experience may be tenuous or indiscernible as he puts words down on paper. That is because the act of writing has the power to release thoughts and images of which one has had no premonition; one did not know they were within one's ability to summon up. Of course, when the novel has at last been finished, none of the material included in it has conserved its nature, whether it be personal experience, make believe, or serendipitous dis­covery; all of it has been transformed, as though the writer were a silkworm, and the bits and pieces of memory, associations, and knowledge leaves of a mulberry bush. These characteristics of the novel as form have an importance for me that I cannot overstate. They give the freedom to invent, consistent with the profound moral and psychological truth of the story being told, that treasure as my essential prerogative, and, like the passage of time and exile, they provide a psychic screen that has permitted me to approach matters, including the annihilation of Jews in Poland, that would otherwise seem intractable, even forbidden.

 

It should by now be clear that my insistence on the fictional nature of Wartime Lies is not a form of coquetry, and has nothing to do with some bizarre need on my part to avoid embarrassment to my mother or me. Neither of us has any more cause to apologize for or be ashamed of our lies or degradation during those war years than did Tania or Maciek — if I exclude the profound shame and disgrace of belonging to the same animal species as the men and women whose cruel and vile deeds I describe.

 

 

Louis Begley

in Wartime Lies [Afterword]

© Louis Begley, 1991 Afterword © Louis Begley, 2004

 

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Quinta-feira, 25 de Fevereiro de 2016

Arquivo dos Diários

 

 

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Recolher, preservar e divulgar as memórias de gente comum, reconhecendo que esses testemunhos de vida contribuem para o conhecimento da história e da identidade nacionais, é a missão do Arquivo dos Diários, associação cultural criada há dois anos, que lançou o concurso “Conta-nos e Conta Connosco”, destinado a enriquecer o seu acervo.

 

Agora que dispõe de uma equipa e de um espaço na Biblioteca de São Lázaro, graças a uma parceria com a Junta de Freguesia de Arroios, a associação está em condições de começar a reunir cartas e diários através dos quais os portugueses poderão contar a sua história. Diários, cartas, fotografias e filmes caseiros ou simples evocações feitas pelas pessoas são uma parte importante na construção da memória de cada um. Mas esses documentos servem também para ajudar a construir a narrativa de uma comunidade. A ideia é catalogar por temas tudo o que for recebido e, no futuro, disponibilizar o acervo num meio digital. 

 

Existem já em vários países europeus arquivos dedicados a recolher a memória popular, designadamente o Archivio Diarístico Nazionale, em Itália, que serviu de referência a Clara Barbacini e Roberto Falanga, fundadores deste projecto.

 

 

 

 

 

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© Soraia Martins 

 

 

 

O principal obstáculo, admitem, é chegar às pessoas e mostrar-lhes que as suas memórias e objectos pessoais podem ajudar a desenvolver outros projectos interessantes, do cinema ao teatro, da ficção à investigação, ou simplesmente servir para consulta de quem tem curiosidade por histórias de outros tempos.

 

“Espero que os portugueses desmintam o pudor como traço da sua cultura”, diz Roberto. “Sei que vai ser complicado, mas desafiante. E acho que só o facto de alguém se questionar se deve ou não entregar [os diários e cartas da sua família] já é bom. Estimula o pensamento. Nesse tempo de reflexão o tema esteve ali, a ser considerado.”

 

Também sabem que poderá haver resistências à entrega de materiais e à publicação. “Sabemos que estamos a tocar assuntos muito delicados”, asseguram. Recordam o caso de uma mulher, vítima de violência doméstica, que ganhou em Itália um concurso semelhante ao agora lançado em Portugal e só anos mais tarde recebeu o prémio, depois de o marido morrer. Há também questões legais que podem colocar-se, por exemplo, no caso de pessoas que encontram ou compram materiais que não se importam de doar mas que dizem respeito a terceiros.

 

Tal como em Itália, está prevista a publicação anual de pelo menos um diário: quem entrega os seus materiais pode escolher participar num concurso aberto até 1 de Março próximo. Depois, um painel de dois júris – um popular e um técnico – escolherá um vencedor. Será publicado pela Penguin – Companhia das Letras.

 

As entregas podem ser feitas na Biblioteca de São Lázaro todos os sábados das 11h às 13h ou enviadas por correio e a associação tem um site com toda a informação em www.arquivodosdiarios.pt. Tem também uma página de Facebook aqui.

 

Arquivo dos Diários

Biblioteca de São Lázaro

Rua do Saco, 1  Lisboa 1169-107 (Freguesia de Arroios)  

 

 

Agradecimentos:

 

artigo de Vanessa Rato no jornal Público, artigo de Samuel Alemão em “O Corvo” e textos reunidos no site Arquivo dos Diários.

 

Fotos gentilmente cedidas por Arquivo dos Diários e Soraia Martins

 

 

 

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Sexta-feira, 19 de Fevereiro de 2016

romanceiro.pt

 

 

Os textos do Romanceiro português e respectivos registos sonoros, quando conservados, vão passar a estar disponíveis online e em acesso livre na plataforma Romanceiro.pt. A preservação deste património, através da digitalização, era urgente, já que a sua manutenção nos formatos em que se encontrava (cassetes áudio e fotocópias em papel) constituía uma séria ameaça à sua preservação. 

 

A plataforma digital será apresentada amanhã, pelas 16h, na Fundação Manuel Viegas Guerreiro (Loulé), pelo coordenador do projecto, o investigador Pedro Ferré.

 

O objetivo é tornar acessível ao grande público um arquivo sem par no contexto ibérico, que alberga já perto de 14000 imagens de documentos de grande relevo no âmbito da literatura patrimonial portuguesa, nomeadamente do Romanceiro de tradição oral, e cuja expansão está prevista.

 

Nos últimos anos, os investigadores do CIAC  Pere Ferré, Mirian Tavares e Sandra Boto trabalharam o acervo da Fundação Manuel Viegas Guerreiro, que compreende 660 horas de gravação em 609 cassetes áudio ali depositadas, e onde estão guardadas 3632 versões inéditas de romances e acolhe 10096 versões de romances publicadas entre 1828 e 2010. A plataforma Romanceiro.pt é o resultado do projeto “O Arquivo do Romanceiro Português da Tradição Oral Moderna (1828-2010): sua preservação e difusão”, uma parceria entre a Fundação Manuel Viegas Guerreiro (Loulé) e o CIAC – Centro de Investigação em Artes e Comunicação/FCT (Universidade do Algarve / Escola Superior de Teatro e Cinema) com o mecenato da Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito do Concurso de Recuperação, Tratamento e Organização de Acervos Documentais (2013).

 

 

 

 

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O Romanceiro é um género poético tradicional que circula desde os finais da Idade Média na memória dos povos de expressão portuguesa, galega, castelhana e catalã, difundindo-se desde então oralmente de geração em geração. Trata-se, portanto, de um património imaterial de uma vitalidade excepcional e de uma riqueza ímpar que importa preservar, numa altura em que a disseminação das novas tecnologias e dos media parece ter aniquilado talvez definitivamente a sua vitalidade e função no seio das comunidades rurais em que ainda permaneciam até há pouco tempo.

 

Remonta a 1421 o primeiro documento conhecido onde se fixa uma versão de um romance, o "Gentil dona, gentil dona", pela mão do estudante maiorquino Jaume de Olesa. Foi, contudo, o Romantismo que encetou o interesse sistemático por este género poético. Desde 1824, foram coligidas milhares e milhares de versões de romances em Portugal, em Espanha e nos países da diáspora portuguesa e espanhola, sem falar na memória romancística que os judeus expulsos da Península Ibérica nos finais do século XV transportaram com eles pelo mundo e que ainda hoje é preservada.

 

Poderíamos, para o caso específico português, referir-nos ao contributo das recolhas e publicações de versões de romances realizadas a cargo de nomes como Almeida Garrett, Teófilo Braga, Leite de Vasconcellos, Consiglieri Pedroso, Alves Redol, Michel Giacometti, Maria Aliete Galhoz, Manuel Viegas Guerreiro, entre tantos outros. Este arquivo alimenta-se, justamente, dos trabalhos de recolha e publicação do romanceiro tradicional português que estes e muitos outros interessados na literatura de tradição oral levaram e continuam a levar a cabo no presente.

 

 

 

Leia mais aqui e aqui

Entrevista com os investigadores aqui

No facebook aqui  

 

 

 

 

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Domingo, 15 de Novembro de 2015

Sete anos

 

 

 

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 Samuel van Hoogstraten (1664)

 

 

Queridos Leitores,

 

o blog faz hoje sete anos, os últimos dois com a presença semanal do Bloco-Notas de José Cutileiro. São já mais de cem crónicas com o respectivo boneco, como ele diz. São textos que me orgulho de publicar e estou-lhe muitíssimo grata por isso. Grata ainda pela ajuda que tem dado a manter vivo este espaço e por me deixar exercer funções de iconógrafa – mot savant que ouvi há uns anos numa conferência no Instituto Francês e a que logo me identifiquei. 

 

Este ano o Retrovisor recebeu outras contribuições valiosas: as fotografias de João D’Korth, cerca de 300 imagens dos anos 30 e 40, que Henrique D’Korth Brandão pôs à minha disposição e ajudou a digitalizar, e a série My Years in Angola (1950-1970) graças à colaboração de Elizabeth Davies. Agradeço ainda a Jorge Colaço, amigo e colaborador deste blog desde o princípio. 

 

Ao longo destes anos tenho acompanhado com interesse a expansão dos conteúdos em português na rede, muito graças à blogosfera, e detectado lacunas também. Ainda há personalidades do século XX em Portugal com pouca ou nenhuma presença na net. A fotografia vernacular começa a despertar mais interesse – neste momento estão patentes em Lisboa fotografias dos álbuns da Raínha D. Amélia e dos Retornados das ex-colónias – mas quanta coisa não se terá já perdido ou continua a desbotar no fundo duma gaveta? 

 

Há pouco tempo, para ilustrar um artigo sobre o poeta Tomaz Kim, o Jornal de Letras usou uma fotografia deste blog (muito bonita apesar de um pouco estragada). No verão passado o jornal Observador usou imagens que tenho coleccionado das praias de antigamente, algumas das quais eu própria descobri na rede. As fotografias de João D’Korth da Exposição do Mundo Português contêm surpresas apesar de tratar-se de um evento tão amplamente registado. Espero continuar a mostrar aqui curiosidades do mesmo género, que no entanto não vêm ter comigo ao ritmo a que eu desejaria.

 

Aos leitores que visitam pela primeira vez, ou que do Retrovisor conhecem pouco mais que o Bloco-Notas de José Cutileiro, convido à leitura de anteriores posts de aniversário.

 

Muito obrigada pela visita!

 

 

*

 

 

Álbum de Família (2008)

 

Queridos Leitores, (2011)

 

Cabinet de Curiosités (2011)

 

Na blogosfera desde 2008 (2012)

 

Cabinet de curiosités 2 (2013)

 

Tags (2013)

 

 

publicado por VF às 19:27
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