Terça-feira, 2 de Maio de 2017

dicionário pessoal: topiaria

publicado por VF às 15:57
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Segunda-feira, 10 de Abril de 2017

dicionário pessoal: fezada

 

F Hay-font-letter-F

 

 

 

fezada
fe.za.da
nome feminino
(de + z + sufixo ada)

 

Crença, convicção, grande fé. Porém, ao contrário da fé, cuja relação com a razão foi vasta e fundamentadamente explicada por Bento XVI, o «papa mau», ao tempo explicado assim às crianças e ao povo por certos sectores eclesiais, a fezada não carece de um fundamento absolutamente racional. Carece de vontade e de esperança, é certo, e em grandes quantidades; de wishful thinking, que o patriotismo linguístico tem limites, mas não se baseia em argumentos irrefutáveis, antes em sinais de leitura intransmissível. Radica no «palpite», na convicção íntima, inalienável e intimamente construída, na intuição -- mesmo certeza -- inexplicável. Ter fezada porque sim. No fundo, uma aposta contra as leis da probabilidade. Ter uma fezada no Euromilhões em dia de prémios grandes, ter fezada na vitória do Benfica em maré baixa contra um clube dado como inultrapassável. Há quem viva sem fé, não parece plausível que se consiga viver sem fezadas.

 

 

 

publicado por VF às 16:19
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Terça-feira, 28 de Março de 2017

dicionário pessoal: bimbo

 

 

B LIGHT-VINTAGE-LETTER-

 

 

 

 

bimbo
bim.bo
nome e adjectivo com 2 géneros
(origem incerta; talvez do italiano bimbo, criança)

 

Esta é uma daquelas palavras de invenção urbana e significado volátil que se usa como categoria de desclassificação. Originalmente «pacóvio», «parolo», «provinciano», «rústico», «ingénuo», por extensão passou a indicar rudeza, falta de maneiras, mau gosto e, de um modo geral, uma inadequação aos valores e representações sociais e estéticos do locutor, que assim se exclui e distancia da categoria apontada e desdenhada. Um marcador social. Por tal razão, bimbo designa com frequência o matarruano, o labroste ou lapuz, o simplório; mais raramente aponta o ignorante, o estupor, o pedante, o pretensioso, o inculto e o idiota encartado nas suas múltiplas e ramalhudas derivações modernas. O tempo fez, porém, estragos neste cenário, e a rudeza, a falta de maneiras e o mau gosto revivem em glória nos ademanes e costumes de urbanos e suburbanos, de diversa extracção e notoriedade, que se arrogam o direito de também se diferenciarem dos «bimbos». Sinal dos tempos. Mas é terreno resvaladiço, quando o significado, com tanta e sucessiva extensão, se desprende ou perde das palavras. E do juízo de quem as usa.

 

 

 

 

 

 

publicado por VF às 09:21
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Segunda-feira, 20 de Março de 2017

dicionário pessoal: já-agora

 

J wooden letter birch

 

 

 

 

já-agora
já.a.go.ra
advérbio + advérbio
(do latim: jam + hac hora, nesta hora)

 

Bem sei que o dicionário regista palavras, unidades lexicais, e esta entrada é formada por duas, dois advérbios de tempo de significado similar, usados em conjunto em muitíssimas situações. Como noutros casos, aqui o resultado não é igual à soma das partes, o que torna ainda mais difícil explicar de forma lógica o sentido do seu uso. É uma das expressões do português mais difíceis de traduzir e de explicar, por exemplo a um estrangeiro. A saudade tem fama de não ter equivalentes, mas o «já agora» é um caso bem bicudo. Nem sequer é fácil substituir este par por outra expressão equivalente. A sinonímia que alguns dicionários propõem não é completamente convincente. Talvez a expressão «visto isto» se aproxime, mas é isso mesmo, uma aproximação. Só com uma perífrase se consegue explicitar o sentido oportunístico da expressão: «já que aqui estou», «já que é assim», «já que pergunta», etc. A expressão traduz um sentido de oportunidade em que o locutor procura tirar partido de uma dada situação. Vejamos as diferenças e as semelhanças de uso nos seguintes contextos:
1.
- Quer beber alguma coisa enquanto espera?
- Já agora bebo um café, obrigado.

2.

- Vou levar o carro à revisão e já agora mando arranjar o espelho partido.

3.
- O maioral agarra, viril, a moçoila e com a outra mão desabotoa a berguilha, quando ela escapa com um safanão. Vendo-se de mãos a abanar e de berguilha aberta, o maioral diz para si, «já agora mijo».

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por VF às 09:00
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Domingo, 12 de Março de 2017

dicionário pessoal: eles

 

E-black-paint-splatter-icon

 

 

 

 

eles
e.les
pronome pessoal masc. pl.
(do latim ille)

 

O contexto de utilização deste pronome que interessa aqui evidenciar é o da referência a uma entidade ao mesmo tempo indefinida e abstracta, embora de natureza colectiva, da qual o locutor se separa e distancia ao referir-se a «eles». Um trabalhador de uma empresa, digamos, por exemplo, caixa do supermercado, referir-se-á ao conjunto de regras que tem de cumprir e à cadeia hierárquica a que tem de obedecer – isto é, referir-se-á à empresa que integra – como «eles». Num outro exemplo, um professor referir-se-á ao Ministério a cujos quadros pertence como «eles». Em ambos os casos, o locutor exclui-se da pertença às entidades que menciona. E neste «eles» há um travo a ressentimento e a hostilidade. É toda uma visão do mundo. «Eles» são o «sistema», a autoridade, a organização. O «eu» não faz parte dessa pandilha, que olha com desconfiança (não raro justificada, diga-se). Nesse caso, constitui um enunciado de desresponsabilização: «eles» é que têm a culpa, «eles» é que disseram para fazer assim. «Eles» são, por exemplo, o hospital ou o centro de saúde, o banco, a escola, as finanças, a administração pública, a meteorologia (eles dizem que vai chover), o corpo director da empresa, a polícia, os transportes, e, mais recentemente, a internet, o Google e similares. E, no repúdio e na indignação, dir-se-á, na versão suave, «quero que eles se lixem!». O que comporta sempre um certo risco, porque «eles» estão em toda a parte e têm ouvidos de tísico. O que vale é que a gente não tem medo deles.

 

 

 

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Domingo, 5 de Março de 2017

dicionário pessoal: ludíbrio

 

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ludíbrio
lu.dí.bri.o
nome masculino
(do latim ludibrium)

Embuste, engano; habilidade ou manha conducentes ao logro. A primitiva acepção de escárnio incorporou-se no significado que vingou na língua actual, envolvendo a menorização ou o desprezo pelo ludibriado, que, não sendo propriamente néscio, faz figura de otário. Engano ou ilusão obtidos com acinte e malícia premeditados. Intrujice. Por extensão, significa também cilada, emboscada. Por analogia com o futebol, diz-se que fulano foi «fintado» com o significado de «enganado com habilidade»; ou «toureado» se a analogia for de natureza tauromáquica. Logro astucioso da percepção elevado, por vezes, à categoria de arte: com minúscula ou mesmo com maiúscula.

 

 

 

 

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Domingo, 26 de Fevereiro de 2017

dicionário pessoal: ventriloquismo

 

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ventriloquismo
ven.tri.lo.quis.mo
nome masculino
(de ventríloquo, latim ventriloquus + suf. ismo)
 
 
Coisa antiga, esta da loquacidade, quando não eloquência, ventral. Trata-se de uma técnica de dissimulação articulatória destinada a fazer crer que as palavras ouvidas não são emitidas pelo locutor. Coisa de sibilas e adivinhos, posteriormente listada como bruxedo e devidamente perseguida. Aplicar o discurso «ventral» a uma segunda personagem, também presente, é um artifício mais moderno, tornado número de circo em que o ventríloquo dialoga com um boneco que assim parece ganhar vida. Uma espécie de Galateia sem intervenção divina, mas onde a vida é um simulacro. A fala não é do boneco, mas sim de quem o manipula e lhe empresta a voz e as palavras. Por analogia, é o que acontece quando certas eminências falam por interposta inexistência, isto é, por intermédio de algum boneco vivo disposto a dar expressão à paixão desses Pigmaliões por si próprios. Entre políticos faz figura de artimanha e, como no circo, todos fingem que não se dá por ela. Ainda por cima, não raras vezes, o subterfúgio passa por sinal de inteligência.
 
 
 
 
 
 
 
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Domingo, 19 de Fevereiro de 2017

dicionário pessoal: locupletar

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locupletar
lo.cu.ple.tar
verbo transitivo e pronominal
(do latim locupletare, «enriquecer»)

 

O termo latino tende a desaparecer em favor da palavra bárbara («rico» tem etimologia gótica) com que se explica o significado do primeiro. Ainda utilizada no vocabulário jurídico brasileiro, no português europeu parece por vezes ultrapassar o significado de «ficar rico», «encher-se», «abarrotar-se» para significar também «abarbatar» ou «abarbatar-se», o que se abeira já de terrenos escorregadios. E, como é sabido, o locupletamento levanta demasiadas vezes um rol de interrogações sobre a sua origem. Como este dicionário pessoal é também um dicionário de autoridades, quem melhor do que Camilo para nos interpelar sobre temas pungentes em bom português: «No abatimento da minha pobreza estúpida ainda me resta o olho penetrante da consciência para ver e admirar a perspicácia dos homens que se locupletam, e mais ainda dos locupletados que conservam, com aplauso público, o rótulo da sua honestidade. Isto é que é saber, isto é que é a prova do grande alcance do intelecto humano!» (Vinte Horas de Liteira, 1864).

 

 

 

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Domingo, 12 de Fevereiro de 2017

dicionário pessoal: tento

 

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tento
ten.to
nome masculino
(do latim tentus, part. pass. de tenere, ter, segurar)

 

Cuidado, cautela, precaução, sentido, atenção, mas também, por extensão, tino, juízo, contenção. Palavra que tende a cair em desuso, como outras, cilindrada pelo estreitamento lexical que caracteriza o «português contemporâneo». Subsiste, apesar de tudo, na expressão «ter tento», ter cuidado ou juízo, e em particular na expressão idiomática «ter tento na língua», ter cuidado com o que se diz. Porém, a expressão subsiste largamente pela mesma razão que o «sim» supõe a existência do «não», isto é, o que justifica o uso é a ausência de tento. Por isso se usa sobretudo em contextos de advertência (tem tento na língua, para não dizeres disparates ou tem tento na língua para não falares de mais ou para não seres deselegante) ou de observação a posteriori (aquele não se safou porque não teve tento na língua). O termo subsiste porque o cuidado e o tino vão desaparecendo e o sinal disso é a incontinência verbal, observável desde logo no discurso público (o microfone é uma das formas modernas da tentação; o telemóvel parece que também). O «tento» dos comentadores desportivos, com o significado de «golo», tem um étimo diferente (talentum), embora também nesta área haja pouco tento, na outra acepção.

 

 

 

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Sábado, 4 de Fevereiro de 2017

dicionário pessoal: adaptação

 

A -in-the-form-of-a-tree

 

 

adaptação
a.dap.ta.ção
nome feminino
(de adaptar, originado no latim adaptare + suf. ção)

 

Violência de primeira grandeza é a adaptação. O grande imperativo da sobrevivência e, logo, da evolução das espécies. Existindo antes da palavra que a nomeia, esta cingiu-se com propriedade em volta da ideia, aferrolhando-se numa mecânica articulatória bem reveladora das dificuldades, plena de oclusões e explosões. A-dap-ta-te! – é o que nos dizem como se manuseassem um chicote, fazendo-o estalar secamente sobre os nossos costados para que aceitemos o que temos de aceitar. Para que tomemos a forma que o mundo tomar. Para nos conformarmos. Se não quisermos ficar para trás, perdedores, perdidos, sós. Se nos adaptarmos – se nos ajustarmos, resignarmos, abdicarmos, renunciarmos, sujeitarmos – o mundo perdoa-nos inadimplências e outros deslizes de menor monta. Permite-nos até anestesiar as dores dessa violência maior, que age primeiro no íntimo para depois alastrar, sofrendo mutações cada vez mais subtis, podendo resultar, como sabemos, na desfiguração. E não vale a pena pensarmos em criar carapaças demasiado rijas — acabaremos asfixiados dentro delas. Melhor seria deixar crescer uma tromba ou um quinto membro que permitisse colaborar a maior distância, tratando-se de indispensáveis incumbências presenciais. Isso ou outra forma de acomodação que evitasse a desconfiança devida aos inadaptados, e o consequente tratamento. Por outro lado, a saturação da adaptabilidade pode ser fatal se, sem nos darmos conta, acabarmos presos, esmagados no seu terrível aperto consonântico.

 

(retirado de um diário inédito)

 

 

 

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