Quentin Metsys - O Cambista e a sua mulher (1519)
Deutschland, Deutschland über alles
Quem é o maior inimigo da União Europeia? O Reino Unido, de saída no comboio fantasma do Brexit? Itália, onde maioria dos eleitores votaram este ano em partidos que não a querem? Polónia, a submeter o poder judicial ao poder executivo? A Hungria autoritária e xenófoba de Vitor Orban?
Ou estará o inimigo fora de portas? Os Estados Unidos de Donald Trump com o seu ataque sistemático ao ambiente e a sua guerra comercial contra mundo? A cleptocracia de Vladimir Putin, incapaz de diversificar economia de gás e petróleo, com 110 pessoas donas de 35% da riqueza russa, a mão de ferro do Kremlin a dominar jornais, telefonias e televisões, controlando a opinião interna, e ordena piratagem informática (e um assassinato ou outro), para tentar destabilizar potências estrangeiras, grandes ou pequenas? Ou será a China, planeando a longo prazo (que já não é o que era: Keynes escreveu que a longo prazo já teremos morrido todos mas agora, a longo prazo, ainda alguns de nós por cá andarão)?
Ou, para espíritos seduzidos pela teoria conspirativa da história, todos estes, mancomunados uns com os outros?
Nada disso, leitora. O maior inimigo da União Europeia é afinal a Alemanha, que é também o mais populoso e o mais rico dos seus Estados Membros bem como, até há poucos anos, o era a Alemanha Federal – antes da reunificação havia duas Alemanhas - o único a encontrar na Europa um Ersatz de Pátria . Em 1996, em Bruxelas, coronel alemão que trabalhava comigo na UEO e fora no dia 9 de Maio a espectáculo na Grand Place para celebrar o Dia da Europa, contou-me, indignado, que só ele, a mulher e os filhos se tinham levantado quando fora tocado o Hino da Europa (4º andamento da nona sinfonia de Beethoven, sobre a Ode á Alegria de Schiller).
Em 1945, os europeus beligerantes estavam de rastos e a Alemanha, além disso, com quatro patas em cima (USA, URSS, Reino Unido e França) para só se levantar devagar e desarmada. Mas em 1957 já assinou o Tratado de Roma (a Itália também); laboriosa e disciplinada fora pagando a sua conta, pagamento muito facilitado porque se precisava dela forte, perante a União Soviética. Com os anos foi recuperando muitas das características de uma grande potência (e uma rara nestas: era o único dos “grandes” a esforçar-se por tratar bem os “pequenos”). Antes de se dissolver, a União Soviética consentiu na sua reunificação. Aí as coisas mudaram.
A “construção europeia” fora inventada na esperança de se poder viver em paz com a Alemanha depois das duas tragédias da primeira metade do século XX. Funcionou enquanto a Alemanha era devedora e estava dividida. Cofre pagador e reunificada, opõe-se a qualquer forma de mutualização da dívida. Acredita que o Norte protestante da Europa é bom e o Sul católico e ortodoxo é mau. Dívidas são pecados. Conservadores, liberais, verdes e democratas sociais acham “que a Europa está como está porque não se foi suficientemente duro com os países do Sul”. Nada bom à vista.