Quarta-feira, 22 de Novembro de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

tambor barcelos

 

 

 

José Cutileiro

 

 

 

Já mesmo na mó de baixo? Ou só a querer chegar lá?

 

 

 

“Isto está preto. E não chove.” Assim amiga muito querida se associou à minha indignação pela incúria com que Presidente, governo, parlamento, jornais, televisões, telefonias, Facebook & quejandos, parecem nem dar pelo estado das nossas defesa e segurança. Incúria antiga, que seria injusto atribuir à “geringonça” ou até, indo mais atrás, à Democracia que vigora desde 1976, ou ao Estado Novo chegado em 1926 ou à Primeira República instalada em1910. Ou sequer à Monarquia Liberal.

 

Algures na história da Europa, entre um Pacheco fortíssimo e os temidos Almeidas por quem sempre o Tejo chora, Albuquerque terríbil, Castro forte e outros em quem poder não teve a morte, e a fuga de D. João VI e da corte para o Brasil, deixando os marechais do corso a tomar conta da gente e a roubar-nos património, aquela mayonnaise firme de vontade, de coragem e de lucidez que nos fizera passar ainda além da Taprobana, talhou dentro das nossa almas e nunca mais fomos os mesmos. Tal mayonnaise talhada - caruncho, osteoporose, reumatismo - foi-nos esfarelando por dentro. A pouco e pouco, fomos perdendo o hábito de ganhar e fomos ganhando o hábito de perder. Em tudo, de todas as maneiras, de forma explícita ou implícita, de entrada talvez com algum incómodo, depois quase já sem nos apoquentarmos com isso e, por fim, como se tal pertencesse à ordem natural e inquestionável das coisas.

 

Quando eu era pequeno ouvia-se cantiga muito espalhada que não sei quando, nem onde, nem por quem fora composta, presumo que já no século XX mas talvez antes e talvez também, na direcção oposta, tendo deitado até ao tempo da leitora que porventura se lembrará dela. Começava assim:

 

Lá em cima está o tiro-liro-liro,                                                                                              

Cá em baixo está o tiro-liro-ló.

 

Anos a fio, de vez em quando a ouvi, de vez em quando a cantarolei, sem nada achar de esquisito. Até que um dia me ocorreu, de repente, como uma revelação, que não poderia ter sido cantada por um inglês ou por um chinês, ou por alguém que, viesse donde viesse, tivesse gosto e orgulho em ser de lá. Quem quer que fosse senhor do seu nariz, que fosse de um só parecer, um só rosto, uma só fé, de antes quebrar que torcer, cantaria outra cantiga que pareceria quase igual à primeira mas seria, na realidade, o oposto dela:

 

Cá em cima está o tiro-liro-liro,                                                                                              

Lá em baixo está o tiro-liro-ló.

 

Porque não lhe passaria pela cabeça dizer o contrário. Porque não traria consigo a visão do saguão e o instinto da porta de serviço que parecem terem passado a ser apanágio de nós todos.

 

Assim vamos vivendo do lado de cá do Atlântico, longe da inteligência artificial dos engenhocas de Silicone Valley, onde robots vão mandar na gente, e da estupidez natural da cintura bíblica do Alabama, onde o Mundo começa circa 5.500 a.C.

 

 

 

 

publicado por VF às 09:00
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