Maria Teresa Horta
Hortenses dos Açores
Os últimos dias foram marcados por celebrações de mortes de gente boa: Helmut Kohl, o primeiro grande europeu a ser considerado, ao mesmo tempo e pelas mesmas pessoas, também um grande alemão (esperemos que, além do primeiro, não tenha sido o último…); Simone Veil que, por instinto nato e experiência dos verdes anos, toda a vida defendeu fracos contra fortes, gente decente contra gente indecente e não tinha ódio no coração; até - para aquelas e aqueles que percebem que só as pessoas frívolas consideram a frivolidade frívola - Alain Senderens, cozinheiro (chefe, como se diz agora em português) francês que tomou conta do Lucas Carton, restaurante parisiense célebre mas entrado em decadência há muitos anos, o levou outra vez à glória de três macarrões no Guide Michelin, o que não acontecia à casa desde os anos 30 do século passado, e foi um dos celebrados inventores daquilo a que se chamou nouvelle cuisine. A gastronomia é em França o que a tauromaquia é em Espanha – forma de ascensão social fulminante que pode levar chefes e toureiros, os grandes artistas dos respectivos ramos, aos píncaros da sociedade nacional de cada um dos países. Tal como a Igreja católica tinha sido em Itália, não no Renascimento, quando a plutocracia coeva tomara conta da instituição, o Vaticano era de bilionários como hoje é a administração Trump, houve Papas Medici, Farnese, Borgia, etc., mas sim nos séculos XIX e XX, quando rapazes de origem humilde, educados em seminários, chegavam a padres, às vezes a bispos, raramente a cardeais e - Euro-milhões dos desígnios de Deus - um ou outro dava em papa. Vindos de cantos dispares da bota italiana, aconteceu de vez em quando, lembrando-se mais a gente de Angelo Roncalli, aliás João XXIII, (canonizado há meses pelo Papa Francisco) que, ao convocar o Concílio Vaticano II, quase virou de pernas para o ar a Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana e foi alvo de injúrias e calúnias – parecidas, de resto, com as que, anos mais tarde, foram dirigidas a Simone Veil por causa da lei sobre a interrupção voluntária da gravidez em França – vindas de sectores integristas e tradicionalistas da Igreja, enraivados por tanta modernice.
Mas papas italianos talvez tenham acabado. O último foi João Paulo I e durou um mês. João Paulo II era polaco; Bento XVI, alemão; Francisco, argentino (embora com pais italianos).
Entretanto, a mudar livros de um desarrumo para outro, encontrei um da Teresa Horta. Somos da mesma idade, conhecemo-nos pouco mas os nossos pais, médicos e amigos, foram mobilizados durante a guerra para ilhas diferentes dos Açores. Teresa visitou-nos, com a mãe, na quinta da Terceira onde vivíamos. (Havia lá em casa retrato dela aos 7 anos a rir diante de muitas hortenses). Aprendi a ler aos 4, li tudo antes de tempo, mas nessa visita ela maravilhou-me com maestria maior. “É não é? Pois é!” disse três ou quatro vezes durante a tarde e nunca mais me esqueci desse malabarismo de monossílabos.