Turquia, 2017
Patriotas
Recep Tyyip Erdogän (devia haver uma espécie de v, em vez de trema, sobre o a mas falta no meu teclado embora só um tonto ou um fanático se queixaria disso: há quase um século Mustafá Kemal, depois conhecido por Kemal Ataturk – pai dos turcos – mudou o alfabeto em que se escrevia a língua turca do árabe para o nosso e ninguém se lembrou ainda de voltar para trás; conta-se de resto que o grupo de sábios encarregado da tarefa não atava nem desatava há mais de um ano quando Kemal mandou um dia vir a papelada, trabalhou sobre ela a noite inteira e de manhã fez entregar o alfabeto novo aos sábios), Recep Tyyip Erdogän, dizia eu, é déspota oriental obrigado por um século de ocidentalização da Turquia a dotar-se de constituição, parlamento e outras modernices que nunca se deveriam dar ao povo - até porque, depois de dadas, é muito difícil tirar-lhas – de maneira que procura ajeitá-las o mais possível às exigências de uma monarquia absoluta. Primeiro-ministro de 2004 a 2014 e Presidente da República desde 2014, tudo ao longo dos anos como deveria ser, em eleições livres e limpas, vai em Maio fazer um referendo para aprovar nova Constituição que torne a governação muito mais presidencial do que parlamentar. Ao contrário do que Erdogän esperara, animado não só pelos triunfos eleitorais anteriores mas também por aumento da sua popularidade a seguir a tentativa falhada de golpe de estado que tencionara matá-lo e colocou brevemente ao seu lado até oposicionistas tradicionais, sondagens agora não o deixam achar que sejam favas contadas e a campanha pelo sim não pode desleixar-se. Ora em 2014 Erdogän e o AKP, seu partido, perceberam melhor que os outros partidos turcos que os votos da diáspora eram importantes e passaram a fazer campanha no estrangeiro, o que se prepararam para repetir desta vez.
Entretanto, porém, aconteceram duas coisas: por um lado, políticos populistas na Europa estimulam entusiasticamente o ódio aos muçulmanos; por outro lado, traços autoritários com toques paranoides foram-se acentuando em Erdogän, envenenando também as perspectivas de adesão da Turquia à União Europeia. Por fim, arranjo manigânciado entre a União e a Turquia permite à primeira mandar emigrantes de países terceiros à segunda e à segunda receber dinheiro e vistos. Alemanha, Áustria, Suécia e Suissa, também fecharam agora a porta a ministros turcos mas os holandeses foram mais brutos, os turcos lembraram o nazismo – muito eficaz na Holanda durante a ocupação alemã – e hoje as relações políticas entre Haia e Ancara viram Clausewitz do avesso: guerra por outros meios. (Erdogän chamou à Holanda e à Alemanha “estados bandidos”). Dá jeito a uns e a outros por agradar aos mais renhidos dos seus patriotas.
A França mistura a República mais monárquica do mundo com Liberté, Égalité, Fraternité e autorizou o MNE turco a ir lá falar, sendo hipocritamente condenada por outros europeus e (também tem eleições à porta) pela sua própria extrema-direita.