Institute for Advanced Study, Princeton
Os professores e o pessoal menor
Quando eu nasci, todos os livros escritos para salvar o mundo já tinham sido escritos. Só faltava uma coisa: salvar o mundo. Assim escreveu Almada Negreiros no começo de A Invenção do Dia Claro - ou usou quase as mesmas palavras, que eu estou a citar de memória e a memória é má conselheira. Habituei-me a ela em pequeno por ter muita, tanta que uma vez pensei que, se tivesse nascido pobrezinho e os meus pais não pudessem continuar a mandar-me à escola, encontraria com certeza circo onde poderia ganhar a vida. Enganos da infância: mesmo sem ter tido de passar por essa prova, cedo me dei conta de que a memória, em vez de ajudar o pensamento a exercitar-se, o desimagina da acção e o torna preguiçoso – sendo que a passagem do tempo piora as coisas.
Desde o primeiro ano do liceu vivi em Lisboa, onde os clubes de futebol mais importantes eram o Sporting, o Benfica e o Belenenses, aprendendo eu naturalmente de cor as linhas de cada um deles: Azevedo, Cardoso e Manuel Marques; Canário, Barrosa e Veríssimo, etc. por aí fora. No Verão passado, em conversa com amigo inglês que não percebia porque é no coração de um dos bairros residenciais mais caros e exclusivos de Lisboa – o Restelo – estava enxertado um estádio de futebol moderno, com as grandes invasões populares periódicas e as perturbações permanentes de privacidade que tal acarreta, tive de lhe explicar que o bairro era anterior ao estádio mas que as licenças de toda a ordem precisas para poder construir este (não eram tantas quantas seriam agora mas já faziam um pacote) tinham não obstante sido obtidas porque o habitante mais importante do bairro, onde tinha a sua residência privada, se opôs às razões de peso evocadas por todos os seus vizinhos, apoiou do princípio ao fim a pretensão dos Belenenses, clube de que era adepto ferrenho e, sendo também à época Presidente da República, exerceu a sua influência junto da Câmara de Lisboa e de outras entidades relevantes.
O meu amigo, sem perceber nada (coitado, não é de cá) perguntou-me se Os Belenenses tinham sido o clube do Estado Novo. Respondi que achava que não porque, mais ou menos por essa época, reformado muito digno sentado ao meu lado num banco de eléctrico lia no jornal do Belenenses artigo intitulado a azul “Amor clubista: sentimento maravilhoso e inexplicável” da autoria de Miguel Urbano Rodrigues, comunista que se exilara e, depois do 25 de Abril, dirigira durante anos o Avante.
Entretanto passou-me pela cabeça a linha do Belenenses: faltava o interior direito; só 5 dias depois apareceu. Coisas assim acontecem cada vez mais.
Quanto à salvação do mundo. O Instituto de Estudos Avançados em Princeton é um templo de saber e progresso onde cheguei seis dias depois do Nine/Eleven. Passadas duas semanas, carpinteiro da casa perguntou-me como é que se distinguiam os carros deles dos dos professores. “Os professores não colam a bandeira nacional aos vidros”. Por estas e por outras é que Trump ganhou.