França, 1794
Mudam-se os tempos
Escrevo a 21 de Novembro, dia dos anos do Vasco Pulido Valente. De manhã lembrei-me dele quando tinha 14 anos ter dito ao pai, burguês de bem, inteligente, culto e informado (explicou-me como é que os romanos faziam a barba), engenheiro, opositor corajoso e coerente do regime salazarista, muito mais alto do que o filho que só deitou corpo no fim da adolescência. “Ah Pai, se eu tivesse a tua idade sabendo o que eu sei…” Na altura em que isto me vinha à cabeça, voz saída da telefonia do carro anunciou-me que era o dia dos anos de Voltaire.
O Vasco e Voltaire ao começo da semana – nada mau para antídoto de tanta patetice ignorante nos tempos que correm, disse com os meus botões. Devo-me ter distraído anos a fio e, pelas conversas que agora tenho tido e pelos jornais que agora tenho lido e pelos programas de televisão por que tenho saltitado, devemos ter andado (quase) todos distraídos porque recebemos com surpresa desagradável notícias sobre coisas acontecidas entre nós ou muito perto de nós de que (quase) ninguém estava à espera - nem bandarilheiros, nem apoderados, nem curiosos na tourada da política.
Vai-se um homem deitar à noite convencido de que os ingleses querem ficar na União Europeia e acorda de manhã para saber que afinal querem sair. Vai-se uma mulher deitar convencida de que o 45º Presidente dos Estados Unidos vai ser finalmente, à segunda tentativa, uma mulher sabichona e teimosa chamada Hillary Clinton, e acorda de manhã para saber que afinal quem ganhou foi um aldrabão inculto, novato em política e malcriado que entendia muito melhor os eleitores americanos do que a sua experiente rival e, ao contrário dela, lhes sabia falar ao coração – de tal maneira que eram capazes de esperar por ele 3 horas para um comício, ao frio, até à uma da manhã, sem arredarem pé. Ontem, na véspera dos anos do Vasco e do Voltaire, franceses da direita e do centro, à procura de alguém que pudesse bater Marine Le Pen, protofascista da Frente Nacional, na segunda volta da eleição presidencial do ano que vem – que ela irá à segunda volta é convicção geral – numa primária aberta da direita e do centro escolheram antigo PM de Sarkozy que as sondagens punham em terceiro lugar, beato metediço na vida dos outros, liberal à la Thatcher em economia (coisa rara no sentimento francês, cujo primeiro reflexo à vista de criança descalça na rua é achar que a culpa é dos Rothschild, em vez de achar, como Thatcher, que a culpa é da criança), com um fraco por - e muitas visitas à - Rússia de Putin. Se o propósito é encontrar quem junte o resto da França para derrotar a extrema-direita (como Jacques Chirac derrotou Jean-Marie, pai de Marine, noutra segunda volta, em 2002) parece-me má ideia: Alain Juppé teria sido melhor escolha mas é claro que há ainda, no Domingo, a segunda volta da final da primária.
Em cada francês vivem, enlaçados em coluna salomónica, um ci-devant et um sans culottes. Têm de pensar em tudo pelo menos duas vezes.