Quarta-feira, 9 de Novembro de 2016

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

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 @ The Washington Post (em actualização)

 

 

 

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O povo é quem mais ordena

 

 

 

Ah é? Ora toma lá que já almoçaste! Até as criadas ficaram consternadas: Ai a Dona Hilária, coitadinha, tão boa Senhora, depois de tudo quanto aturou ao marido apanhar com mais esta. O povo é quem mais ordena. O fazedor de TV- Realidade sabe que para se ser herói é preciso ser-se mau e meteu-se à obra, com veia de actor consumado. Fez troça de aleijados. Tratou as mulheres como no Antigo Testamento mas em calão de agora (calando fundo em almas evangélicas americanas: muitas mulheres votaram nele). Prometeu acabar com Obama-care, isto é deixar os pobres sem qualquer assistência médica, como estavam antes que só lhes faz bem em vez de viverem à custa dos outros. Rever os tratados comerciais de maneira a proteger o operário americano, isto é, decretar proteccionismo sempre que achar que for preciso para ser amado pelo povo (como nos anos trinta da Europa a caminho de fascismos e guerra). Tornar a pôr a tortura de suspeitos de terrorismo nas práticas de interrogatório militares e da CIA (waterboarding e “muito pior”). Aquecimento global é conspiração chinesa. Contra imigração clandestina, levantar muralha na fronteira com o México com o México pagar por ela. Tudo descrito em promessas eleitorais, porque o povo é quem mais ordena e ao povo não se mente mais do que ao clero ou à nobreza. (Há espíritos mal intencionados e já foram contadas quarenta mentiras por discurso em dias de inspiração, mas o povo gosta e o povo é quem mais ordena – em dias de menos inspiração, anda por vinte. Mentir, para o homem dos golfes e dos casinos, é um estado natural.

 

O efeito em nós, europeus, começa por medo de deixar de haver disposição americana para nos defender: há mais de meio século que contamos com ela e o susto faz frio na espinha. Além disso tudo quanto seja homófobo, misógino, racista, reacionário genérico (como nos medicamentos) animou imenso com a brutalidade tosca exibida por Trump e vai tornar mais difícil dia-a-dia de decência. O povo é quem mais ordena. Porque é que, quando a chamada classe política perde o fio à meada e tribunos populistas capturam o poder (às vezes, como Hitler, em eleições livres e limpas) e se instalam, estes são, invariavelmente, velhacos? De mesmo antes do nosso tempo: Lenine, Estaline, Hitler, Mussolini, Mao Tse Tung, Pol Pot… Não há um que se aproveite (os que agora parecem estar na forja - Putin, Erdogan, Orban - tampouco prometem virtude). De maneira que embora a democracia canse e pareça às vezes estar em risco tem-se acabado por voltar a ela à la Churchill. O povo é quem mais ordena. Mas quiçá isso mude. A democracia parlamentar talvez se tenha dado particularmente bem com a imprensa de Gutenberg e atribuições afins. Nas redes sociais de agora e do futuro previsível, onde sapiência e responsabilidade se diluem até ao desaparecimento, palpita-me que tudo possa ser diferente. Entretanto o povo é quem mais ordena - e um americano em cada quatro julga que o sol anda à roda da terra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por VF às 17:44
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