Quarta-feira, 19 de Outubro de 2016

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

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Barrabás

 

 

 

Os povos portam-se mal, mesmo povos que toda a gente aprendeu na escola serem viveiros de democracia. (Embora haja progresso: se, em vez de passar os dedos pelo teclado do computador para compor estas linhas no ano da Graça de 2016 eu estivesse a passar aparo de caneta de tinta permanente sobre papel almaço no ano em que nasci, quisesse ser rigoroso e ficar bem com a minha consciência, teria tido de escrever “que toda a gente que foi à escola aprendeu” porque à escola no Portugal dessa altura pouquíssima gente ia, sendo o remanescente maioritário das crianças portuguesas grupo a que o aparachique e ficcionista Soeiro Pereira Gomes chamou “os filhos dos homens que nunca foram meninos”, dedicando-lhes o romance Esteiros de que gostei, sendo o único romance neorrealista que me agradou porque os outros sofriam todos de pecha, comum também às pinturas dessa escola, que professor numa universidade de Londres explicava bem: “No impressionismo pinta-se o que se vê; no expressionismo pinta-se o que sente; no realismo social pinta-se o que se ouve”. Pinta-se e escreve-se).

 

Os ingleses, herdeiros da Magna Carta com que gostavam de vez em quando de apoucar os outros, graças a Primeiro Ministro conservador cuja paciência para os eurocépticos do seu partido se esgotara e resolvera pôr a questão da Europa a referendo e cuja inépcia o fizera depois perdê-lo (expediente político favorito dos populistas, o referendo foi ganho por demagogos desonestos e irresponsáveis) votaram por sair da Europa sem entenderem bem do se tratava, sobretudo por estarem fartos dos “políticos de Londres” e de um sistema que cria 1% de ricos cada vez mais ricos e 99% de uma mistura de pobres cada vez mais pobres e de classe média a resvalar para a pobreza. Com a poeira a assentar está a descobrir-se que o país vai ficar mais fraco do que era e que a mudança lhes vai custar os olhos da cara.

 

Os norte-americanos que gostam tanto ou mais do que os ingleses de se pavonearem com evocações da Magna Carta (mais as sua próprias Declaração de Independência, Constituição e Alocução de Gettysburg), a seguir a mais de um ano de berrarias e impropérios que se chamaram eleições primárias em cada um dos dois grandes partidos e agora campanhas mesmo para a presidência do país, entre uma senhora competente (sem jeito para a política mas competente) e, pelos padrões da sua terra, do seu tempo e da sua profissão, decente, e um mitómano sociopata, desonesto e ordinário, indecente por quaisquer padrões. Milhões de americanos parecem achar que deveria ser ele o novo inquilino da Casa Branca. Dia 8 de Novembro se saberá mas muito mal já foi feito - para ficar.

 

Toda a gente gosta de lembrar Churchill: a democracia é o pior sistema de governo tirando todos os outros. É verdade mas é verdade também que o povo tem dias: a história moderna está cheia de maus exemplos – e não só ela. Convém nunca esquecer que o povo escolheu Barrabás (e terem sido os judeus já não serve de desculpa).

 

 

 

 

publicado por VF às 08:00
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