Chegámos a Lisboa no verão de 1961. A princípio, a novidade e a redescoberta de uma família calorosa atenuaram o desgosto da perda, abrupta e definitiva, da nossa vida anterior; mas para mim e para Cristina, Lisboa revelou-se aos poucos uma cidade triste e provinciana, cheia de mendigos e de homens ordinários.
Chegado o Outono, a entrada no Liceu Francês agravou a nossa desorientação, perante um ensino mais exigente em português e francês, línguas que não dominávamos convenientemente.
Em casa, um apartamento na rua Rodrigo da Fonseca onde acabaríamos por estar pouco mais de um ano, a minha mãe começou a não sair do quarto. Lembro-me de ficar parada a olhar para aquela porta fechada.
Em Setembro de 1962, o meu pai partiu para o Paquistão. Cristina, Bernardo e eu fomos com minha mãe e a Zulmira viver para casa dos nossos avós maternos. A adaptação foi penosa para todos. Os meus avós impunham uma cerimónia a que não estávamos habituados. Tinham aceite corajosamente aquela ‘invasão’ mas sentiam-se desamparados perante o desespero da filha, um desespero que desafiava a compreensão.
Vera Futscher Pereira
in Retrovisor, um Álbum de Família
© RCP edições, 2009
O regresso a Portugal inaugurou um tratamento de choque ao longo do qual eu perderia, aos poucos, quase todas as minhas referências habituais. É o único período relatado na primeira pessoa em “Retrovisor, um Álbum de Família”. Foi uma tentativa de reduzir por um momento a distância, dirigindo-me ao leitor num tom mais confessional, na minha própria voz. Não sei se produz efeito, e tenho algumas dúvidas, já que apenas uma pessoa me comentou o facto, e foi para me perguntar porquê.