Quarta-feira, 30 de Agosto de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

 

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José Cutileiro

 

 

 

Futuro? Passado?

 

 

 

O meu amigo mais erudito – haverá eruditos ainda mais eruditos do que ele mas não são meus amigos – contou-me de filósofo grego pré-socrático, cujo nome esqueceu, para quem a invenção da escrita estava a enfraquecer cabeças que assim já não se exercitavam a aprender coisas de cor. Passados milénios de escrita, porém, o saber de cor perdeu a utilidade e o prestígio que tinha, salvo no teatro e no circo – há mais de meio século, estudante da Faculdade de Medicina de Lisboa perguntou a outro se estudava Medicina Legal “compreendendo ou empinando” o que, em vez de sugerir versatilidade no espírito do perguntador, confirmou a sua fama de burro. O facto mesmo do meu amigo erudito se lembrar do pensamento mas não do nome do pensador ilustra convicção que fui ganhando ao longo dos anos: quem nasce sem memória acaba a perceber muito melhor as coisas do que quem nasça com ela. Os memoriosos como eu empinam sem dar por isso muitos bocados do mundo e, mais tarde ou mais cedo, a brincadeira sai-nos cara.

 

A conversa sobre o filósofo pré-socrático aconteceu no dia seguinte a jantar com outros amigos, tripeiros que trouxeram com eles pimpolho adorável, quase com dois anos, cujo conhecimento da língua falada cresce como um bambu e sobressalta de vez em quando ouvidos sulistas, elitistas e liberais com esboços de palavras que, ao descerem (ou subirem? Que ordenaria, em casos de Norte contra Sul, a correcção política?) das margens do Douro até às margens do Tejo, se transformam em palavrões - para hilaridade mais ou menos furtiva dos circunstantes, só parando o índex de palrar quando, antes de se sentarem à mesa, os pais lhe metem um iPhone nas mãos. Aí, embevecido, cala-se e ao agradável junta o útil: vai aprendendo inglês e a usar a maquineta com mais destreza do que os pais. Perante miúdos com a habilidade dele, sinto-me eu analfabeto. Gutenberg estragara o conforto estético recatado de homens como o banqueiro Cosimo de Medici, anafado na sua bolha de incunábulos, vistos só por ele e por quem ele consentisse, caligrafados um a um por monges silenciosos, distribuídos a alguns clérigos, alguns fidalgos e alguns banqueiros. Remanso que Gutenberg destruiu - e a desordem não acabou aí. Depois de pregar as suas teses na porta da igreja, Lutero fê-las imprimir. Séculos mais tarde, Máximo Gorki em rapaz novo lia Pushkin a dezenas de operários analfabetos numa grande padaria (antes do bom Tio José ter posto os amanhãs a cantar, a Rússia não morria de fome: era um enorme celeiro e exportava trigo). Mas papel tipografado, que fez o mundo dar voltas, está a passar de moda: na administração da Estónia, paraíso do numérico que este semestre preside à União Europeia, praticamente já não se usa.

 

Quando o filho dos meus amigos for da idade do meu, muitas coisas e maneiras de as fazer que haviam um dia sido parte do futuro pertencerão ao passado. Dantes não era assim, a gente ainda estranha, e o pimpolho em crescido já nem dará por isso.

 

 

 

 

 

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Quarta-feira, 23 de Agosto de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

 

 

 

José Cutileiro

 

 

 

 

Sacanas e bananas

 

 

 

Passam-se anos sem eu ver o Duro. Desde novos, privámos em passagens animadas da vida e ele conhece-me melhor a mim do que eu o conheço a ele - ou pelo menos é isso que eu sinto. (Outro com quem acontecia o mesmo era o meu chorado Zé Cardoso Pires e eu achava que tal se devia ao Zé ser romancista e eu não; com o Duro essa explicação não colhe). Encalhámos um no outro há dias e lembrei-me – lembro-me sempre que nos encontramos - de encalhe anterior, também no verão, à porta do Balaia, depois do 25 de Abril mas antes do Balaia ter virado Club Med.

 

“Voltaste?”. Fazia-o ainda pela finança internacional, em Londres ou numa das costas dos Estados Unidos.

 

“Não! Só quando as condições estiverem cumpridas”.                                                                                  

“Quais condições?”                                                                                                                                                  

“Salazar no poder; Marcelo Caetano na oposição; Freitas do Amaral na clandestinidade!” (Freitas do Amaral, nessa altura, considerava-se e era considerado de direita).

 

A mi me gustan las cosas asi: los hombres hombres; el trigo trigo!” afirma camponesa andaluza numa peça de teatro de Lorca. Camponesa que havia de ser, como o Duro, pessoa de um só princípio, de um só rosto, uma só fé, de antes quebrar que torcer. Como seria também o médico cujo nome me escapa, membro do Partido Comunista Português no tempo da clandestinidade, preso duas ou três vezes, esbofeteado pela Pide, que encontrei em casa da Mimi e do Fernando Bandeira de Lima, amigos dos meus Pais (ele também maltratado na António Maria Cardoso) e que, ao falar eu de inspector da Pide inteligente me interrompeu, indignado, porque a inteligência era um dom das almas superiores e, por isso, nenhum Pide podia ser inteligente.

 

Ainda haverá gente assim. O Duro é fino como um coral; o amigo dos Bandeira de Lima era burro; o que nos chegou da camponesa de Lorca não dá para saber – mas tudo seres morais e isso escasseia agora no pessoal político. Não só por cá (já lá vamos); falha no cimo mesmo do que chamávamos “O Mundo Livre”: Trump, palhaço pouco esperto, ignorante e malfazejo terá de ser corrido depressa; no Reino Unido não se vê hoje ninguém; em Berlim, automóveis poluentes e superavit escandaloso são demais para que a mediocridade da Senhora disfarce a Alemanha. Talvez Macron, se fizer os franceses perderem egoísmo e peneiras.

 

E nós? No tempo de Salazar o escritor José Rodrigues Migueis dizia que Portugal era um país de bananas governado por sacanas. Democracia e Europa trouxeram-nos harmonia: hoje somos, governados e governantes, bananas assacanados - ou sacanas abananados se a leitora preferir.

                                                                            

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Domingo, 20 de Agosto de 2017

Espólio de Vasco Luís Futscher Pereira (1922-1984)

 

Disponível para consulta no  Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros. 

 

 Daniel Rocha

 

Hoje, como no início da carreira de Futscher Pereira, os telegramas rosa são os recebidos e os telegramas verdes são os expedidos. O espólio ocupa 14 prateleiras do Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Foto Daniel Rocha

 

  

Estudar este espólio, disse o ministro [dos Negócios Estrangeiros] que é ele próprio um académico, vai permitir ver “como se exerce a profissão de diplomata, como se cresce e se amadurece passando pelos postos C., e como se faz política externa em Portugal — que tem sido sempre um pouco singular”. Foi justamente isso que a filha Vera mais gostou de descobrir ao mergulhar no universo profissional do pai: “Ver o que realmente faz um diplomata. Tem-se aquela ideia do croquete. Como a história da menina a quem perguntam: ‘O que faz o teu pai?’ e ela responde: ‘É diplomata e faz discursos em francês.’ Aqui percebe-se que ser diplomata é sobretudo a descrição e a análise do que se está a passar nos países. Foi ver os bastidores de uma profissão que é tão secreta.”

 

Em momentos separados e a milhares de quilómetros de distância, ela em Lisboa, ele em Dublin, os dois irmãos usam exactamente a mesma expressão. “Estava sentado em cima dos papéis quando já há historiadores interessados em ver”, conta Bernardo. “Até que percebemos que estávamos aqui sentados em cima dos papéis e que assim os papéis morrem”, diz Vera. O filho-embaixador tem uma razão extra: “Sendo eu próprio investigador nas horas vagas [é autor de A Diplomacia de Salazar (1932-1949), de 2012, e Crepúsculo do Colonialismo – A Diplomacia do Estado Novo (1949-1961), que acaba de ser lançado], não me sentiria bem perante os meus colegas académicos dispondo daquele espólio e não o pondo à disposição deles também. Se o meu pai guardou isto tudo, é porque achava que os documentos tinham valor histórico. Não era apenas para nós podermos saber o que ele tinha feito como diplomata.”

 

Leia na íntegra o artigo de Bárbara Reis no jornal Público 

 

 

 

 

 

Vasco e Malu com Nancy e Ronald Reagan

Vasco e Malu Futscher Pereira com Nancy e Ronald Reagan em Washington

 

 

 

* * *

José de Freitas Ferraz* :

 

Ele, na realidade, foi o diplomata mais completo que eu conheci. Na medida em que era um homem extremamente inteligente e culto, tinha uma enorme capacidade de análise, escrevia muitíssimo bem, ainda hoje se quiserem podem ver, e para além disso era extremamente gregário, era extremamente afável, era extremamente simpático, ele tinha uma necessidade terrível de ter gente à volta e tinha também a seu favor o facto de, na realidade, a embaixada em Washington para ele ser o terceiro posto que ele fazia nos EUA. [...] O que aconteceu nesse período, nos períodos em que ele tinha estado nos outros postos ia coleccionando amigos e quando chegou a Washington já tinha uma rede importante e uma rede que desenvolveu.

 

Ele tinha uma, algo que eu aprendi na altura e os colegas também, que era : ele não tolerava "nós". Ele que era extremamente simpático e afável, não tolerava que num jantar oficial, numa recepção, nós, nos apanhasse a falar uns com os outros. Porque ele explicava que vocês estão aqui para trabalhar, portanto fazem o obséquio de falar com os convidados.

 

E ele, por seu lado, se eu estivesse numa ponta da sala, era um prazer ver o Vasco Futscher Pereira e a Malu a trabalhar, como os americanos diziam, “working the crowd”, praticamente cobrindo digamos 60 ou 100 convidados que eles lá tinham.

 

 

*

Bernardo Futscher Pereira:

 

Sempre guardou cuidadosamente e transportou consigo pelo mundo a sua correspondência com o ministério, as inúmeras cartas que trocou com colegas e amigos, os recortes de imprensa em que se apoiaram os seus relatórios. É todo este manancial de documentos, com a única exceção dos que são de natureza estritamente pessoal e familiar, que hoje simbolicamente entregamos à guarda do Arquivo Histórico-Diplomático.

 

E não haverá certamente melhor sitio para o depositar do que no Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Faço-o com particular gosto por ser eu próprio um utilizador assíduo do arquivo e conhecer o seu valor ímpar para o estudo da história diplomática de Portugal – ou seja para a história de Portugal.

 

Sempre procurou transmitir a importância de fazer as coisas bem feitas. Punha um grande apuro em tudo o que fazia, e em particular naquilo que escrevia, num estilo que se esforçava para tornar límpido e elegante. Não era pessoa timorata, que se acanhasse perante os seus superiores ou que deixasse de exprimir, de forma delicada mas firme, os seus pontos de vista. Estava à vontade com toda a gente.

 

Teve uma vida muito atribulada, mas nunca se deixou abater pelas preocupações. Pelo contrário, procurou sempre gozá-la tanto quanto podia. Tinha tempo para tudo. Aliás, costumava dizer: “não ando com pressa na vida”. 

 

Discípulo de António Sérgio e Agostinho da Silva, creio que se via como um humanista. O amor pela cultura manifestava-se numa devoção pelos livros, não como objetos – não era bibliófilo nesse sentido embora adorasse todas as artes decorativas, incluindo a encadernação – mas como expressão do que de mais profundo e elevado a razão e a arte podem criar.

 

 

 

*

 

*Presidente do Instituto Diplomático

 

 

Agradecimentos: Margarida Lages, José de Freitas Ferraz, Bárbara Reis, jornal Público 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Quarta-feira, 16 de Agosto de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

Ninotchka-05

Greta Garbo em Ninotchka

 

 

 

José Cutileiro

 

 

Elogio dos coca-bichinhos

 

 

 

Num fim de tarde sombrio do fim do Outono de 1967, em sala aquecida a gás da cave victoriana de Saint Antony’s College, Oxford, assistia eu a uma das cinco palestras sobre Marx dadas pelo Professor Chemin Abramsky, sumidade que vinha às quintas-feiras de Londres iluminar os nossos espíritos, quando ele declarou que Marx se dera imediatamente conta da importância para a história da Europa da Comuna Francesa como tal. “Engels”, acrescentou, “foi mais lento. Levou-lhe cerca de quinze dias”. (Talmúdico e germânico, Abramsky lera, inter alia, toda a correspondência entre os dois).

 

Percebi nesse instante que a vida académica onde há três anos me metera não era para mim mas passariam ainda mais sete – e revolta vitoriosa, por fartura das guerras coloniais, de maioria esmagadora de oficiais milicianos e do quadro das forças armadas portuguesas – até a deixar. Sem o espírito coca-bichinhos porém, não haveria ciência e sem ciência não teríamos, por exemplo, nem aspirina, nem aviões, nem o numérico. Outro exemplo: sem inclinação coca-bichinhos a meter ombros à sua visão, o frade de Brno não teria aguentado oito anos de registo da fecundação cruzada de ervilhas de cheiro - e não haveria genética moderna. Nada é simples. Quando Vasco Pulido Valente era candidato a Saint Antony’s, Raymond Carr, director do colégio perguntou-me se o meu amigo era realmente bom. “É um homem muito inteligente” respondi. “Com certeza. Mas porque é que um homem muito inteligente haveria de fazer investigação pormenorizada?”

 

Até hoje nunca ninguém soube o futuro e continuamos a não o saber. Mas, graças aos progressos da ciência (incluindo nesses progressos a liberdade de estudar o que se quiser e de publicar livremente os resultados desses estudos) tampouco agora temos sobre o passado as certezas que tínhamos. Por um lado, mais uma vez, a liberdade de levantar dúvidas – “If you think your mother loves you, check it”, dizia o chefe da redacção ao estagiário nos grandes anos da imprensa escrita americana – por outro lado, cada vez mais coca-bichinhos auferem tempo e dinheiro para satisfazer a sua curiosidade diligente.

 

Para a vasta maioria de nós todos incluindo, presumo, a leitora, o colapso da União Soviética e o fim dos regimes comunistas da Europa Oriental foram um alívio para quem lá vivia e um sossego para nós também. Salvo – e, machista, a nossa opinião em geral não reparou nisso – quanto à satisfação sexual das mulheres. Em 1917, mesmo antes do Bolchevismo, tiveram o voto na Rússia; na URSS e satélites depressa ganharam direitos e liberdades económicas e sociais que as libertaram de muitas dependências e jugos do homem. Estaline fez marcha atrás; mas embora menos na URSS, na Albânia e na Roménia onde também houve retrocessos, a situação feminina europeia do lado de lá era muito melhor do que do lado de cá – para mais fruição e prazer das próprias, também sexual. Tudo medido e avaliado agora por coca-bichinhos e coca-bichinhas.

 

 

 

 

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Quarta-feira, 9 de Agosto de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

Operator

 

 

 

 

 

José Cutileiro

 

 

 

Gemeinschaft e Globalização

 

 

 

O sabonete fugira-me das mãos (os portugueses nunca deixam cair coisas – estas “fogem-lhes das mãos”, dizia o Alexandre O’Neill), baixei-me para o apanhar e dei comigo estatelado de costas no duche do hotel (com a água fechada). Chamei em vão pela Myriam; a construção de hotéis leva a peito o isolamento acústico. Quando, hora e meia depois, ela acordou e telefonou a pedir ajuda, mulher nova comandando homem também novo, empregados do hotel simpáticos e sorridentes, puseram-me de pé num instante com eficácia profissional.

 

Uma hora depois, telefonei a pedir informação sobre o horário do pequeno almoço. A recepcionista deu-ma e perguntou-me a seguir se o Senhor Embaixador estava melhor. Numa lufada de amor da Pátria chegou-me cena passada há quase 83 anos em Évora. Na noite em que eu nasci, em casa dos meus avós maternos, o Pai fez chamada para amigo em Lisboa a dar a notícia. Os telefonemas interurbanos nessa altura pediam-se a uma central (a que chamavam Troncas). Pouco depois de acabada a conversa o telefone tocou; era a menina de Troncas que fizera a chamada, para dar os parabéns ao Senhor Doutor.

 

Aconchegos difíceis de imaginar em lugares protestantes e puritanos, onde pecariam por inconfidências inadmissíveis. Presumo que seja a regularidades assim que alguns antropólogos chamam “vigências”, certezas que não mudam através do tempo apesar do resto mudar tanto à nossa volta.

 

Mas antes, de papo para o ar no chão entre as 6 e as 7 e meia da manhã, tinha-me lembrado de outra coisa. Há poucos anos, prémio Nobel (1974) da medicina belga com 95 anos, viúvo, que fazia ainda 40 piscinas de 20 metros por dia, sentiu-se mal em casa, caiu e, até a mulher-a-dias chegar 14 horas depois, não foi capaz de se levantar. Ficou furioso, indignou-se com limitações postas na Bélgica à eutanásia que lá é legal mas tem de ser autorizada e tanto barafustou (e tão grande era o seu prestígio) que depressa lhe deram licença e pôde ir-se embora em paz, cercado por família que muito lhe queria. Acreditava – como eu acredito – que, depois de morto, nada dele sobreviveria.

 

Entretanto vou tendo notícia de outras coisas: numa aldeia do Paquistão, conselho dos anciãos decidiu que menina de 17 anos, cujo irmão tinha violado outra menina de 17 anos, fosse ela própria violada, não dizendo a notícia por quem. Em Canton, Mississippi, numa fábrica da Nissan, 3.500 operários, homens e mulheres, quase todos negros, votaram quinta e sexta-feira passada e rejeitaram, por maioria de 60%, a sindicalização. O sindicato em questão – United Automobile Workers - acusou Nissan de ameaçar e intimidar os operários; alguns destes evocaram caso de corrupção de chefe sindicalista. O Sul dos Estados Unidos continua ainda menos sindicalizado do que o resto do país.

 

O mundo é vário – e áspero demais em muitos lugares. Continuo a preferir a decência europeia que inclui hoje muitas vezes a liberdade de casar com quem se queira e o direito de morrer em paz.

 

 

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Quarta-feira, 2 de Agosto de 2017

O Bloco-Notas de José Cutileiro

 

 

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José Cutileiro

 

 

Democracias

 

 

 

No ano passado, a democracia mais antiga e mais prestigiada do mundo (o Reino Unido de Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) e a democracia mais rica e poderosa do mundo (os Estados Unidos da América), utilizando os seus respeitados mecanismos constitucionais, deram a si próprias duas bordoadas de cujos maus efeitos não recuperarão tão cedo.

 

A bordoada britânica foi resultado de referendo a perguntar aos cidadãos (melhor dito, aos súbditos de Sua Majestade Britânica) se queriam sair da União Europeia ou permanecer nela – uma maioria disse que queria sair. A bordoada americana foi eleger Donald Trump Presidente dos Estados Unidos. No primeiro caso a procissão nem sequer vai no adro: só há poucos dias se encetaram conversas formais em Bruxelas mas, antes das negociações começarem, já se tinha percebido que o Reino Unido ia perder muito com o negócio, a todos os níveis. Durante a campanha que precedeu o referendo os partidários da saída mentiram escandalosamente sobre o dinheiro que os britânicos poupariam se saíssem, sem que os partidários na permanência na União tivessem denunciado essa mentira com vigor comparável; além disso a população da Inglaterra e da Irlanda do Norte, é uma das mais ignorantes e menos educadas dos 35 países da OCDE. Por exemplo, em lugares dependentes para sua sobrevivência da exportação de automóveis para o resto da União Europeia, a percentagem de votantes que quiseram deixá-la foi das mais altas do país. 44% das exportações britânicas e mais de metade das importações são com o resto da União Europeia; saindo do Mercado Único tudo isso lhes ficará muito mais caro mas, para nele ficarem mesmo saindo da União, teriam de admitir imigrantes de lá vindos e isso, até agora, é impensável. Digo até agora porque a indústria em geral começou a dar-se conta de que, sem estrangeiros, a economia levará grande e duradouro rombo. Para não falar da City. Os serviços de finança e negócios de Londres perfazem um terço do PIB britânico porque têm clientes pela Europa toda – que os vão deixar se saírem da União. A Confederação da Industria Britânica estima que em 2020 o PIB britânico será de 3,5% a 5% menor do que se o Reino tivesse continuado na União. Haverá 2° referendo? Exit tão soft que não se dê por ele? Ou insistirão no masoquismo da ruína voluntária?

 

Nos Estados Unidos as coisas vão de mal a pior porque Trump não dá para Presidente – a maioria dos eleitores já o sabia – e, em vez do hábito fazer o monge, neste caso o monge está a esfarrapar o hábito. A personalidade de Trump - o seu narcisismo, a sua mesquinhez, a sua maldade, a sua ignorância – está a abandalhar a Presidência. Sendo a Constituição como é não se vê saída fácil – mas quanto mais demorar, pior será para a América e para o mundo.

 

Acha a leitora que irá tudo ao sítio? Escrevo em Montemor-o-Novo onde, a passar na cidade antiga, li este nome: Rua da Paz, e, por baixo, antiga rua da Mancebia. Enquanto há vida há esperança.

 

 

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