Criança, c. 1880
Estúdio A. Fillon, Lisboa
(frente e verso)
It is a nostalgic time right now and photographs actively promote nostalgia. Photography is an elegiac art, a twilight art. Most subjects photographed are, just by virtue of being photographed, touched with pathos. An ugly or grotesque subject may be moving because it has been dignified by the attention of the photographer. A beautiful subject can be the object of rueful feelings, because it has aged or decayed or no longer exists. All photographs are memento mori. To take a photograph is to participate in another person’s (or thing’s) mortality, vulnerability, mutability. Precisely by slicing out this moment and freezing it, all photographs testify to time’s relentless melt.
© Susan Sontag
Zulmira de Jesus
São Francisco, c. 1958
Tu étais Nanie depuis ma naissance. Les grandes personnes t’appelaient Thérèse, les voisins Mademoiselle Thérèse, le facteur Mademoiselle Lecompte, mais nous: Nanie. Nos parents étaient tes patrons, mais nous étions tes filles. Tu t’occupais de tout, et de nous en plus. Tu faisais battre le coeur de la maison, circuler le sang des étages aux caves. Et notre coeur en plus. Un travail gigantesque.
Tu n’étais pas une “bonne”, mot inconnu au lexique familial. Je l’ai découvert en lisant Les Malheurs de Sophie, un été sous les tilleuls. L’insupportable Sophie (elle coupait des poissons rouges en rondelles; les vers de terre, encore, ça continue à bouger, mais les poissons rouges, berque!) l’employait à tout bout de champ. Et “ma bonne” par-ci, et “ma bonne” par-là. J’ai donc essayé et ma mère m’a enguirlandée. C’était un gros mot. Très vilain. Comme aristocrate ou putain. Pareil. Digne des affreux parvenus nouveaux riches. Sophie n’était pas un petite fille modèle, ton assistante était une employée de maison, et toi, tu étais Nanie. Point final.
© Alix de Saint-André
Mais sobre a autora aqui e outro excerto de Ma Nanie aqui Mais sobre o Álbum de Família aqui
O 'Livro do Bébé' de Cristina
Edição Papelaria da Moda, 1947
Quando me propus fazer um álbum de família em livro, não tinha escrito uma única palavra, só pensava nas fotografias. Embora naquela altura imaginasse um objecto artesanal e de âmbito restrito, sabia que, antes de mais nada, era essencial encontrar um designer gráfico. Não possuía, simplesmente, conhecimentos à altura das minhas ambições a este nível. Tinha o quadro mais ou menos pensado, mas precisava da moldura. Não sei necessariamente o que procuro, mas não tenho dificuldade em saber do que gosto. E o facto de contratar alguém também funcionaria como compromisso de levar o projecto a bom porto.
Uma circunstância feliz pôs-me em contacto com Patrícia Proença, com quem simpatizei de imediato e que descobri conhecer, afinal, do meu passado distante, um passado que ela compreenderia. É, como eu, filha de um diplomata.
Propus um regime de sessões de trabalho remuneradas, capítulo a capítulo, para ter sempre as contas em dia na eventualidade de desistência ou impedimento da minha parte.
Levava-lhe as fotografias e os textos gravados num CD, passávamos em revista o material e, na sessão seguinte, ela apresentava-me o trabalho impresso, acertávamos correcções e assim por diante, a um ritmo muito variável, condicionado à minha vida e à vida dela. Digitalizei eu todo o material e também restaurei a maior parte das fotografias. Tranquilizava-me imenso o facto de tudo aquilo ir ficando guardado também no computador da Patrícia. Ao longo do trabalho houve um ou outro intervalo maior, a certa altura uma interrupção de quase um ano, mas sem nunca pôr em causa o projecto.
Em 2004, a Patrícia fez o design e a ilustração de A Moira Encantada, de Almeida Garrett, um livrinho que me é particularmente caro.
Quanto a Retrovisor, um Álbum de Família, O ano de 2008 foi dedicado a revisões, em que trabalhámos lado a lado, por sessões de duas horas. A Patrícia acolheu sempre todas as minhas escolhas com o bom humor que a caracteriza e uma abertura total, e manifestou sempre um entusiasmo sincero pelas fotografias e documentos que lhe fui apresentando.
Quando o meu livro sair, e apesar do alívio de termos chegado ao fim de um trabalho tão moroso, sei que vamos sentir a falta uma da outra pois divertimo-nos muito.
Espreite o portfolio de Patrícia Proença aqui
A Moira Encantada aqui
Nos corredores da Faculdade surgia o neo-realismo, receita de um estado novo ao contrário. Eu lia. Comprava esse movimento de sinceros e insinceros, sangue na estrada, miséria no lar, justiça que se impunha. O Alentejo dava porcos e neo-realismo, e passados mais de vinte anos continuava ainda a dar mais porcos e neo-realismo, tal o atraso de subdesenvolvimento em que nos encontramos. A cobertura quase total, os críticos mais apaixonados, tudo que não estivesse na defesa do povo, era condenado. Eu estaria para sempre condenado — um apátrida das letras. Mal sabia que daí a meses o acaso, mais uma vez na vida, me faria mudar de rumo. Iria encontrar em cheio, no domínio do poder literário, a força antídota e semelhante à situação política — aguardava-me em Coimbra a maçonaria poderosa e crescente do neo-realismo. O público estava já habituado ao ersatz, os editores caldeiravam a ração sem razão, não sabiam, dava-lhes dinheiro, como o algodão de Angola, o café e os diamantes. Havia que emborcar, e estar calado, saíndo fora da linha resultava levar na cabeça. E do Alentejo continuava a desembarcar mais prosa e mais suinagem. Tudo era verdade, quem não estivesse dentro da ordem nova, um excomungado. Havia que pertencer a uma ordem maçónica. Estar junto, amancebar o nosso espírito. Talvez a exigência da época, pensava eu. Qual época qual carapuça, sim a exigência mesquinha do português de querer tudo arregimentado. Essa a triste conclusão. O intelectual português passou séculos de perseguição e de miséria, não pode ter grandeza, a grandeza é produto da liberdade. No útero da sua natureza andrógina ele ainda ouve os sons da Inquisição, o silêncio da procissão dos autos-de-fé. Como haviam de aceitar um artista? Um artista só se aceita quando há liberdade de expressão. Foi assim que receberam Eça de Queirós, que sentiram Raul Brandão. Se eles ainda respirassem, seriam pasto para se queimarem vivos, tanto por parte dos neo-realistas como dos estado-novistas, ambos totalitários, ambos negadores de uma verdade de expressão que se sobrepunha à sua receita. Como podia eu ter consciência de culpa de um crime que não praticava?
A resposta foi dada pelo Cinatti ao publicar a revista Aventura. Ele não fazia cerimónia para dizer a verdade, menos ainda o Jorge de Sena, o Carlos Queirós, a Sophia, o José Blanc de Portugal, o Casais e tantos outros que colaboravam — "uma cidadela fundamentada na Amizade".
Ruben A.
in O Mundo à Minha Procura (vol.II)
Dedicatória aos meus pais
do segundo volume da autobiografia de Ruben A.
1966
Mais sobre o autor aqui , a sua autobiografia aqui e a sua fotobiografia aqui
Margarida, 1940
A minha mãe aos vinte anos. Nesta altura estudava filologia germânica na Faculdade de Letras, onde conheceu alguns dos seus maiores amigos.
Gostava acima de tudo de poesia. Anos mais tarde haveria de publicar dois livros de poemas.
na avenida
sobre o pavimento enobrecido
poisada, a sombra —
não sei quê despercebido
entra de soslaio
no meu olhar embevecido
evasiva
a sombra treme,
e o sol entontecido
despista a pomba
passam assim,
oblíquos,
os reflexos de algo indeciso
entre o sonhar e o partir
para um país desconhecido...
Margarida Futscher
Lugar Comum, 1965
Vasco Luís e Gonçalo Luís c. 1941
O meu pai teria aqui uns dezoito ou dezanove anos. Gonçalo, seu primo-direito, era um pouco mais velho. Um como outro eram filhos únicos e cresceram quase como irmãos. Escolheram ambos a carreira diplomática mas não o mesmo curso. O meu pai estava matriculado em Coimbra, em histórico-filosóficas, mas julgo que só lá ia para os exames pois trabalhava em Lisboa. Deve ter sido por esta altura que leu La Chartreuse de Parme, Les Liasons Dangereuses e Dom Quixote de la Mancha. Foi uma época de grandes descobertas pela mão do professor Agostinho da Silva, entre outros mestres.
A fotografia, por não ser inédita, não fará parte de “Retrovisor, um Álbum de Família”. Foi publicada em 1984 no catálogo de uma exposição de pintura do meu pai. É da autoria de Francisco da Silva Fernandes, amigo de toda a vida dos meus pais e toda a vida fotógrafo amador apaixonado.
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